Restrição e garantia dos direitos fundamentais em tempos de Covid-19

Restrição e garantia dos direitos fundamentais em tempos de Covid-19

Por Ilton Norberto Robl Filho

 
Ponto Inicial [1]

Com 26.754 óbitos e 438.238 casos confirmados até 28 de maio de 2020, em virtude da Covid-19 [2], o Brasil encontra-se no centro mundial dessa situação de Emergência de Saúde Pública de importância internacional, a qual causa efeitos sociais e econômicos nefastos, impondo rápida e adequada resposta estatal.

Por sua vez, o art. 3º da Lei Federal nº. 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, com a redação da Medida Provisória nº. 926, de 2020, estabelece que: “Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: I – isolamento; II – quarentena; III – determinação de realização compulsória de: a) exames médicos; b) testes laboratoriais; c) coleta de amostras clínicas; d) vacinação e outras medidas profiláticas; (…) VI – restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de: a) entrada e saída do País; e b) locomoção interestadual e intermunicipal (…) § 1º As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.”

Saúde pública e ciência nas restrições aos direitos fundamentais
Na doutrina especializada, é comum refletir sobre as restrições aos direitos fundamentais a partir de questões referentes à saúde pública. Martin Borowski analisa o direito dos nacionais de ingressar e sair do país, asseverando ser constitucional, por exemplo, lei que, para proteger a saúde da população contra pandemias, veda o ingresso de pessoa com enfermidade contagiosa grave. De outro lado, quando a lei proíbe qualquer cidadão enfermo de entrar no território nacional, de forma independente do grau de infecciosidade e da gravidade da doença, esse ato normativo infraconstitucional viola o direito fundamental de ir e vir de modo desproporcional[3], pois se uma pessoa possui uma doença inofensiva a proibição de seu ingresso não é adequada para proteger a saúde pública e a integridade física dos demais indivíduos.

As restrições aos direitos fundamentais, em tema de saúde pública, precisam ser fundadas em razões médicas, não sendo constitucional a adoção de motivos meramente políticos ou ideológicos na limitação desses direitos[4]. O conhecimento científico é substancialmente diverso de uma opinião política ou de uma concepção ideológica específica, tratando aquele saber de maneira sistemática, metodológica, especializada e verificável os problemas científicos, auxiliando na correta compreensão de condutas danosas aos direitos à vida, à saúde e às integridades física e psíquica.

Outrora já escrevemos que: “o conhecimento científico possui peculiaridades, tratando-se, por exemplo, a) da construção de conhecimento por meio de regras, de etapas, de processos e de métodos que conduzem à compreensão dos problemas científicos, b) da construção e da adoção de hipóteses para compreender, analisar e solucionar (ainda que parcialmente) as questões estudadas, c) do desenvolvimento e do emprego de conceitos, de perspectivas e de teorias que auxiliam na reflexão crítica sobre os temas e fenômenos e d) da apresentação de fundamentos fáticos e teóricos que suportam as conclusões e os resultados científicos obtidos. Nesse contexto, as ideias científicas são produzidas a partir de razoáveis ideais regulativos, sendo o mercado de ideias dos cientistas mais restrito do que o mercado de ideias dos cidadãos em geral, o qual é protegido pela liberdade de expressão em sentido lato”[5].

Dessa forma, corretamente o § 1º do art. 3º da Lei Federal nº. 13.979/2020 previu que as medidas restritivas para proteção da saúde pública e dos direitos à vida e à proteção da integridade física precisam ser tomadas a partir evidências científicas. As meras crenças e opiniões, apesar de constitucionalmente garantidas e relevantes no Estado Democrático de Direito, não são razões aptas a informar políticas públicas de saúde e estratégias sanitárias adequadas. Um entendimento político não pode fixar procedimentos e protocolos médicos desprovidos de respaldo científico.

Constituição, indivíduos e comunidade na restrição e na concretização dos direitos fundamentais
O constitucionalismo não deve ser dogmático e ingênuo, transformando-se em uma superstição e distanciando-se da análise crítica da realidade[6]. A ausência de desenvolvimento de uma Teoria Constitucional adequada ao Estado Democrático de Direito causa inexoravelmente a aplicação do texto constitucional de forma equivocada, criando um ordenamento jurídico com regulamentações e práticas absurdas.

Em verdade, líderes populistas de tendência autoritária utilizam-se seletivamente das liberdades de expressão, de crença, de opinião e até mesmo do direito à privacidade, assim como de instrumentos democráticos, com objetivo de chegar e manter-se no poder. Infelizmente, essa é uma tendência em diversos países, a qual deve ser conscientemente combatida pelos mecanismos constitucionais e teóricos existentes. Como precisamente aponta Kim Schepelle, os populistas são oportunistas que buscam o poder acima de qualquer apelo democrático, usando desonestamente a democracia constitucional e os direitos fundamentais [7].

De outro lado, a teoria constitucional de Peter Häberle apresenta uma visão sincera e democrática dos direitos fundamentais, sustentando a relevância do legislador e dos atos de conformação dos direitos fundamentais, na concretização tanto dos interesses públicos e legítimos da comunidade como dos interesses individuais. Novamente, o exemplo do referido jurista versa acerca da saúde pública.

Uma perspectiva unilateral da obrigação de o cidadão ser submetido à vacinação apontaria para uma simples restrição do seu direito fundamental individual à liberdade em prol do interesse da comunidade no campo da saúde pública e coletiva. Por sua vez, a determinação de vacinação detém fundamento especialmente nos benefícios produzidos ao próprio indivíduo, já que concretiza os seus direitos individuais à vida e à integridade pessoal[8]. Dessa maneira, há deveres impostos ao legislador de harmonizar os diversos direitos fundamentais específicos e de integrar os interesses individuais com os coletivos.

Em síntese, o ideal regulativo de uma adequada conformação dos direitos fundamentais, em tema de saúde pública, é a busca por benefícios para a sociedade e o cidadão, apostando nos direitos fundamentais como um sistema pautado na integração desses direitos com outros bens constitucionais[9]. A constituição é um ordenamento de valor duradouro que informa a ação dos cidadãos, políticos, governantes e sociedade, devendo o dinamismo do legislador promover os direitos fundamentais em leitura sistemática e harmonizadora com outros bens constitucionais[10] como o desenvolvimento econômico nacional, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos.

Europa e Covid-19
No boletim #1 da Agência da União Europeia para Direitos Fundamentais, sobre a Pandemia do Coronavírus e as Implicações para os Direitos Fundamentais, observa-se a existência de muitos dilemas e problemas vividos na Europa que se repetem em grande medida no Brasil.. Em virtude do necessário distanciamento social, a realização presencial e física das atividades educacionais precisou ser interrompida na enorme maioria dos Estados europeus. Apesar da existência de instrumentos tecnológicos e metodológicos para o ensino remoto, não é possível esquecer que parte dos alunos não possui computador e acesso adequado à internet, precisando o Estado atuar para, no mínimo, abrandar esse obstáculo ao direito à educação em contexto de Covid-19.[11]

Acerca do mercado de trabalho, o necessário distanciamento social, além do enorme impacto em setores econômicos como turismo, vestuário e outros, produziu fortes alterações na rotina laboral e na renda dos trabalhadores. Em algumas profissões, o trabalho em casa (home office) é possível e deve ser adotado na maior medida possível, mas em diversos setores o desemprego e a queda substancial da renda imperam. Assim, a mitigação dos efeitos da perda ou diminuição de renda ocorreu com a aprovação de legislações para lidar com essa situação[12].

A busca por equilíbrio entre acesso à justiça e a segurança e a saúde dos membros do sistema de justiça e dos cidadãos em contato com esse sistema é dilema relevante. Desse modo, a tecnologia (processo eletrônico e videoconferência) foi empregada com bons resultados em linhas gerais, porém ocorrendo problemas especialmente em Tribunais que não estavam razoavelmente adaptados ao uso desses instrumentos[13].Os atos de racismos contra estrangeiros como chineses e o fenômeno da desinformação sobre práticas e medidas a serem tomadas na pandemia preocuparam países europeus e a Agência Europeia de Direitos Humanos.

O posicionamento do Diretor Agência da União Europeia para Direitos Fundamentais corretamente registra que, na atual situação de Covid-19, não há um caminho de proteção da saúde pública ou de garantia dos direitos fundamentais[14], pois as políticas públicas, as leis e as atuações estatais são legítimas se promoverem a saúde pública com o maior respeito possível ao sistema de direitos fundamentais.

Assim, as medidas de contenção do coronavírus não estão dissociadas da busca de mitigação dos impactos nos campos da vida social, da educação, do trabalho e da liberdade de movimento. Importante ressaltar: não se trata de colocar o trabalho, a educação e a liberdade de movimento acima das necessárias ferramentas sanitárias e sociais de luta contra o coronavírus, e sim construir estratégias que procurem, respeitando a ciência e a vida, efetivar na maior medida possível, nesta triste realidade, os diversos direitos fundamentais.

No papel de coordenação das atividades de combate ao coronavírus, parece que falta ao governo federal brasileiro e especialmente ao Executivo Federal uma perspectiva integrada, responsável e harmônica da saúde pública e dos direitos fundamentais.


[1] Este texto apresenta algumas discussões e inquietações do autor compartilhadas com os mestrandos e doutorandos em Direito Constitucional do Instituto Brasiliense de Direito Público, na disciplina Teoria da Constituição e dos Direitos Fundamentais.

[2][2] BRASIL. Ministério da Saúde. Covid-19: Painel Coronavírus. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/Acesso em: 28/05/2020.

[3] BUROWSKI, Martin. La Restricción de los Derechos Fundamentales. Revista Española de Derecho Constitucional. Año 20, Núm. 59, p. 51, Mayo-Agosto 2000.

[4] BUROWSKI, Martin. La Restricción de los Derechos Fundamentales. Revista Española de Derecho Constitucional. Año 20, Núm. 59, p. 55, Mayo-Agosto 2000.

[5] ROBL FILHO, Ilton Norberto. Liberdade Acadêmica e Científica: Dimensões e Problemas Contemporâneos. Espaço Jurídico Journal of Law [EJJL], 19(3), p. 763-764.

[6] Para uma visão crítica do constitucionalismo, cf. WALDRON, J. Constitutionalism: A Skeptical View. Georgetown University Law Center, 2010.

[7] Sobre o tema, cf. SCHEPELLE, K. L. The opportunism of populists and the defense of constitutional liberalism. German Law Journal, 20, pp. 314–331, 2019.

[8] HÄBERLE, Peter. La Libertad Fundamental en el Estado Constitucional. Granada: Editorial Comares, 2003, p. 64.

[9] HÄBERLE, Peter. La Libertad Fundamental en el Estado Constitucional, p. 68.

[10] HÄBERLE, Peter. La Libertad Fundamental en el Estado Constitucional, p. 81-85.

[11] EUROPEAN UNION AGENCY FOR FUNDAMENTAL RIGHTS. Coronavirus Pandemic in the EU ― Fundamental Rights Implications. Luxembourg: Publications Office of the European Union, April 2020, p. 18-19.

[12] “A large majority of EU Member States have introduced legislation to compensate for loss of income related to the outbreak. In many cases, this takes the form of the government committing to paying a proportion of the wages of employees that have been or are at risk of being made redundant. Such measures – which also often involve contributions from the employer – will see staff receive 90% of their salary in Sweden, 80% in Slovenia,75% in Romania, 70% in Estonia and France, and 65-70% in Belgium, for example. Greece, in contrast, proposes a fixed sum compensation of €800 in April to employees working in enterprises which suspend their operations; a Maltese or any other EU citizen who becomes redundant in Malta will receive the same monthly amount as unemployment benefit. Ireland has instituted a specific ‘COVID-19 Pandemic Unemployment Payment’ of €203 per week, which aims to enable the newly unemployed to receive financial support quickly, while waiting for the government to calculate their longer-term entitlement” (EUROPEAN UNION AGENCY FOR FUNDAMENTAL RIGHTS. Coronavirus Pandemic in the EU ― Fundamental Rights Implications. Luxembourg: Publications Office of the European Union, April 2020, p. 19).

[13] EUROPEAN UNION AGENCY FOR FUNDAMENTAL RIGHTS. Coronavirus Pandemic in the EU ― Fundamental Rights Implications. Luxembourg: Publications Office of the European Union, April 2020, p. 28.

[14] EUROPEAN UNION AGENCY FOR FUNDAMENTAL RIGHTS. Coronavirus Pandemic in the EU ― Fundamental Rights Implications. Luxembourg: Publications Office of the European Union, April 2020, p. 5.

Texto originalmente publicado em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-30/observatorio-constitucional-restricao-garantia-direitos-fundamentais-tempos-covid-19

Auxílio emergencial: existem vidas que pouco importam?

Auxílio emergencial: existem vidas que pouco importam?

Por Inês Virgínia Prado Soares e Melina Girardi Fachin

Durante esta grave crise sanitária causada pela Covid-19, os governos federal, estaduais e municipais têm criado medidas e mecanismos como respostas para minimizar ou reduzir as violações de direitos. No entanto, algumas ações não são acessíveis para as pessoas hipervulneráveis, aquelas que, por diferentes razões, têm chances baixíssimas de acesso a instituições ou ferramentas para resguardar seus direitos básicos, e tampouco conseguem enfrentar as eventuais violações a esses direitos.

A vulnerabilidade e o aumento das desigualdades têm atraído especial atenção dos principais órgãos de defesa dos direitos humanos neste momento. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu, em 10 de abril, a Resolução 01/2020, intitulada Pandemia e Direitos Humanos nas Américas, na qual apresenta um conjunto de medidas e abordagens para o enfrentamento da Covid-19 pelos países latino-americanos. Entre as 85 recomendações da Resolução 01/2020, as de número 39 e 40 tratam de grupos de especial vulnerabilidade, indicando que os Estados-membros devem:

“39 — Considerar abordagens diferenciadas ao tomar medidas necessárias para garantir os direitos dos grupos em uma situação de especial vulnerabilidade, adotando medidas de cuidado, tratamento e contenção para a pandemia da Covid-19; bem como mitigar os impactos diferenciados que tais medidas podem gerar.

40 — Promover, pelas mais altas autoridades, a eliminação de estigmas e estereótipos negativos que podem surgir em certos grupos de pessoas no contexto de pandemia.

As recomendações supracitadas têm o mérito de recusar um modelo de atuação que reforce desigualdades e ainda inspiram os gestores locais ao falarem da possibilidade das políticas públicas da Covid-19 de serem desenhadas e implementadas longe da lógica de desigualdade estrutural que, quase sempre, permeia o sistema em tempos de normalidade.

Na tentativa de dar atenção à linha recomendada pela CIDH de conter uma das consequências provocadas pela crise da Covid-19, e dar resposta efetiva aos grupos mais atingidos, sancionou-se a Lei 13982/2020, que estruturou o programa de renda básica emergencial, consistente num auxílio financeiro pago pelo governo federal em três parcelas para sobrevivência no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia.

A iniciativa vai parcialmente ao encontro do preconizado pelas Nações Unidas, que, na voz de seu especialista independente, Juan Pablo Bohoslavsky, clamou que a melhor maneira de lidar com os efeitos econômicos da catástrofe é colocar as finanças a serviço dos direitos humanos com a adoção de programas de renda básica universal de emergência. Diversos países seguiram nessa esteira de assistência aos trabalhadores neste momento de pandemia, inclusive aos informais — Alemanha, Estados Unidos, Irlanda, Canadá, Reino Unido, Austrália, França, Espanha, Itália, Portugal, entre outros, com suporte financeiro maior do que o concedido pelo governo brasileiro.

De acordo com dados disponibilizados pelo governo, quase 100 milhões de brasileiros receberam o auxílio emergencial, mais de 30 milhões o tiveram negado por não cumprir as suas condições e, segundo dados da Caixa, o site do auxílio emergencial recebeu quase 300 milhões de visitas e o aplicativo foi baixado cerca de 60 milhões de vezes. Os números saltam aos olhos e chamaram a atenção inclusive dos idealizadores do programa. Um contingente populacional invisível — que não possui conta em banco, não tem acesso regular à internet e não tem documentos de identificação — veio à luz.

Decreto nº 10.316/2020 instrumentalizou a percepção do benefício previsto na Lei nº 13.982/2020 e estabeleceu, em seu artigo 5º, que para ter acesso ao auxílio emergencial o trabalhador deverá: “I — estar inscrito no Cadastro Único até 20 de março de 2020; ou II — preencher o formulário disponibilizado na plataforma digital, com autodeclaração que contenha as informações necessárias”. Em casos excepcionais e a depender da disponibilidade dos funcionários da Caixa, apenas para as pessoas que não tenham acesso à internet será possível fazer o registro em agências. Mesmo nessa situação, é preciso a inclusão dos dados na plataforma digital.

Portaria do Ministério da Cidadania indicou a Dataprev como agente operadora do auxílio emergencial e a Caixa Econômica Federal foi a instituição escolhida para efetuar o pagamento do benefício, disponibilizando a opções de cadastro no site ou o uso do aplicativo. As duas alternativas exigem que as pessoas tenham acesso a aparelhos celulares, pois a partir de um determinado momento receberão mensagens de SMS com códigos para completar as etapas de preenchimento do cadastro.

Em ação civil pública proposta pela Defensoria Pública da União (DPU) no início de maio, demonstrou-se que é preciso cumprir 23 passos, em ambiente digital, para o cadastramento para recebimento do auxílio. O argumento da DPU nessa ação é que pessoas em situação de extrema pobreza, migrantes, refugiados, integrantes de povos indígenas e de comunidades quilombolas, por exemplo, são também pessoas em situação de exclusão digital.

Por não terem acesso aos recursos digitais, precisam de um atendimento presencial para receberem ajuda de alguém que lhes traduza as exigências digitais, ou mesmo que lhes disponibilizem o número de celular para recebimento dos códigos. A DPU pediu que a União e a Caixa não obriguem os beneficiários a apresentar número de celular e e-mail para o saque das parcelas de R$ 600 na pandemia, bem como que apresentem uma alternativa, que chamamos aqui de “análogica”.

As enormes filas nas agências da Caixa Econômica e nas casas lotéricas, portanto, devem-se, em grande parte, à exclusão digital dos hipervulneráveis e à falta de alternativa para obtenção de ajuda para preenchimento no formulário digital, a não ser o deslocamento para o local de saque.

A corrida ao benefício transitório mostrou que há milhões de invisíveis que seguem amontoadas em filas, inconvenientemente aglomeradas, dormindo nas calçadas nas proximidades das agências bancárias e casas lotéricas.

A imagem das pessoas se colocando em risco e a percepção de que não se terá uma solução rápida para os que não se enquadram no formato pensado para execução do programa trazem o questionamento sobre a razão de não se contemplar todo o universo de vulneráveis, com suas peculiaridades.

É possível considerar que isso não foi feito de modo aleatório, mas, sim, fruto de uma determinada concepção de sociedade, que convive com imensa dificuldade com os mais vulneráveis (tanto fisicamente como também nos aspectos social, cultural ou econômico) A filósofa americana Judith Butler, em recente entrevista a Juan Dominguez e Rafael Zen, ao trazer sua visão sobre a quarentena, também expressou inquietação semelhante sobre o cenário dos Estados Unidos:

“Porém, me pergunto se não seria mais importante considerarmos como as políticas sociais são armadas e aplicadas de maneira a se configurar como a morte das populações marginalizadas, especialmente das comunidades indígenas e das populações carcerárias, e também daqueles que, como resultado de políticas públicas racistas, nunca tiveram um tratamento de saúde adequado. Afinal, a taxa de mortes nos Estados Unidos neste momento está diretamente correlacionada à pobreza e à privação de direitos das populações negras”.

O cenário brasileiro não é muito diferente do americano indicado por Butler no que diz respeito ao acesso às múltiplas formas de cuidado aos mais vulneráveis. Aliás, pelo que se tem noticiado, o panorama é bem semelhante no plano mundial, ainda que em razão de peculiaridades regionais os países mais pobres ou com maior desigualdade sejam atingidos de maneira mais severa pela pandemia.

A invisibilidade de alguns grupos sociais por certo não é temática nova para a comunidade internacional, nem chega com a Covid-19. As privações que a pobreza causa no acesso aos demais direitos se traduzem em um dos recortes do cenário das hipervulnerabilidades. Em 2012, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou e publicou, pela Resolução 21/11, os Princípios Reitores sobre Pobreza Extrema e Direitos Humanos (PREPDH). Os seus princípios partem que a pobreza é um problema de direitos humanos:

“4 — As pessoas que vivem na pobreza encontram enormes obstáculos, de natureza física, econômica, cultural e social, para exercerem os seus direitos. Como consequência, sofrem muitas privações que se relacionam entre si e se reforçam mutuamente, — como as condições perigosas de trabalho, a insalubridade da moradia, a falta de alimentos nutritivos, o acesso desigual à Justiça, a falta de poder político e o acesso limitado à atenção de saúde —, que os impedem de tornar realidade os seus direitos e perpetuam sua pobreza. As pessoas submetidas à pobreza extrema vivem em um círculo vicioso de impotência, estigmatização, discriminação, exclusão e privação material, que se alimentam mutuamente”

Isso se agrava com outros recortes que muitas vezes se somam à questão da renda, gerando fenômenos de discriminações sobrepostas como a racialização ou a generificação da pobreza. No dizer da relatora especial sobre Pobreza Extrema e Direitos Humanos:

“Isto é, o fato de que, geralmente, as pessoas que se encontram em condições de pobreza coincidentemente possam pertencer a outros setores vulneráveis (mulheres, crianças, pessoas com deficiência, indígenas, afrodescendentes, idosos etc.) não exclui a possibilidade de que as pessoas em situação de pobreza não se vinculem a outra categoria”.

Foi exatamente numa condenação do Brasil, no caso dos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) usou, pela primeira vez, o fundamento da pobreza como um componente autônomo da proibição de discriminação por “posição econômica”. No voto fundamentado do juiz Eduardo Ferrer MacGregor Poisot [1], no julgamento do mencionado caso, foi destacado que:

“44 — Como podemos observar, na jurisprudência interamericana a posição econômica (pobreza ou condição econômica) esteve vinculada de três maneiras distintas: em primeiro lugar, pobreza ou condição econômica associada a grupos de vulnerabilidade tradicionalmente identificados (crianças, mulheres, indígenas, pessoas com deficiência, migrantes etc.); em segundo lugar, pobreza ou condição econômica analisada como uma discriminação múltipla/composta ou interseccional com outras categorias; e, em terceiro lugar, pobreza ou condição econômica analisada de maneira isolada, dadas a circunstâncias do caso, sem vinculá-la a outra categoria de proteção especial”.

Discussões mais recentes no âmbito das Nações Unidas aliam a perspectiva da hipervulnerabilidade de classe com o recorte da exclusão digital. No informe do relator especial Philip Alston, aprovado pela ONU em outubro de 2019, surgem o estado de bem-estar digital e as ameaças deste sob a perspectiva dos direitos humanos, destacando as vantagens da inclusão digital e também a desigualdade no acesso às tecnologias da informação:

“45 — A falta de alfabetização digital leva a uma total incapacidade de usar ferramentas digitais básicas, e muito menos usá-las de maneira eficaz e eficiente. O acesso limitado ou inexistente à internet coloca enormes problemas para muitas, muitas pessoas, e as pessoas que acessam a internet envolvem pagar preços altos, viajar longas distâncias ou tirar folga do trabalho, visitar instalações públicas como bibliotecas ou obter ajuda de funcionários ou amigos para gerenciar os sistemas. Além disso, embora pessoas com recursos possam obter acesso instantâneo a computadores e outros softwares modernos e fáceis de usar, além de velocidades de banda larga rápidas e eficientes, pessoas com poucos recursos têm muito mais chances de serem severamente prejudicadas pelo uso de equipamentos desatualizados e conexões digitais lentas e não confiáveis”.

Os dados para produção do informe da ONU citado acima foram colhidos há cerca de dois anos, em um cenário de normalidade. Diante do quadro catastrófico, é possível considerar que a comunidade internacional enquadraria as pessoas em situação de extrema pobreza em nosso país, que não conseguem se cadastrar para receber o auxílio emergencial por não terem acesso às plataformas digitais, na proteção do prevista no artigo 1.1. da Convenção Americana de Direitos Humanos, que proíbe qualquer forma de discriminação.

Ainda há possibilidade de ajuste da conduta estatal, com a oferta de ferramentas que permitam o cadastramento das pessoas hipervulneráveis. Se assim acontecer, os invisíveis, que até ontem frequentavam os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) espalhados pelos municípios brasileiros, mas não tinham sua existência contabilizada pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS), passarão a ser um número e também clientes do sistema de seguridade social.

O desafio está posto. E a resposta precisa ser dada, ainda que esta não seja a realidade de quem escreve ou lê este artigo, ou mesmo dos idealizadores da política. Se há algo que a pandemia nos mostra é a necessidade de cooperação, solidariedade e alteridade pela responsabilidade que temos com as vidas alheias.

Todas as vidas importam.

Texto originalmente publicado em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-26/soares-fachin-auxilio-emergencial

Como ficam o empenho e a liquidação da despesa no pagamento antecipado?

Como ficam o empenho e a liquidação da despesa no pagamento antecipado?

Por Rodrigo Luís Kanayama e Thiago Lima Breus

Empenhar, em tese, é reservar a respectiva dotação orçamentária para futuro pagamento ao credor (fornecedor do bem ou prestador de serviço). O artigo 58 da Lei 4.320/64 define empenho como ato que “cria para Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição”. A finalidade do empenho é dar ordem às finanças do Poder Público, organizando-as para que, no futuro, o orçamento público permaneça nos limites aprovados pelo Poder Legislativo.

Por força da Covid-19, foi editada a Medida Provisória 961, de 6 de maio de 2020, aplicável “aos atos realizados durante o estado de calamidade reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020” (artigo 2º, Medida Provisória 961). Entre outras normas, estabelece o pagamento antecipado nas licitações e nos contratos pela Administração, obedecidas algumas condições para a mitigação do risco de inadimplemento contratual, o qual, se superveniente, ensejará a devolução integral pelo particular do valor a ele antecipado pelo poder público.

Entre as medidas de cautela, destacam-se: I) a comprovação da execução de parte ou de etapa inicial do objeto pelo contratado, para a antecipação do valor remanescente; II) a prestação de garantia de até trinta por cento do valor do objeto pelo contratado; III) a emissão de título de crédito pelo contratado; IV) o acompanhamento da mercadoria, em qualquer momento do transporte, por representante da Administração; e V) a exigência de certificação do produto ou do fornecedor.

Observadas as condições acima e demonstrado que o pagamento antecipado representa: I) condição indispensável para obter o bem ou a prestação do serviço; ou II) que ele propicie significativa economia de recursos, ele poderá ser utilizado, com sua previsão expressa no edital ou no instrumento formal de adjudicação.

Embora não expressamente reguladas pela Medida Provisória 961, observamos que as fases da execução da despesa pública foram ligeiramente alteradas enquanto perdurar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo 6/2020 e para os casos por ela abrangidos.

A dúvida que surge é quanto: I) ao empenho; e II) à liquidação da despesa. À primeira leitura da medida provisória, parecem ser exigidos apenas o processo licitatório (ou sua dispensa) e o imediato pagamento do credor, dispensando-se o ato de empenho e a liquidação. Não nos parece, porém, a interpretação mais adequada à luz do conjunto de normas, constitucionais e legais, que disciplinam a execução da despesa pública.

Como dissemos acima, o ato de empenho tem como função a reserva da dotação orçamentária, visando a preservar o crédito para futuro pagamento ao credor, após regular liquidação. Como ele constitui expediente fundamental para o correto funcionamento do orçamento público — e porque todas as despesas públicas devem ser autorizadas por leis orçamentárias —, é correto afirmar que o empenho continua imprescindível.

Uma despesa pública “antecipada” sem o devido empenho representa a ausência de correspondência no orçamento público, na contabilidade pública e, eventualmente, na prestação de contas. Ademais, não há regra de exceção à Lei 4.320/64, que estabelece, em seu artigo 60, que “é vedada a realização de despesa sem prévio empenho”, norma repetida no artigo 24 do Decreto 93.872/86 (este, só para a União).

Quanto à segunda fase da execução da despesa pública, que é a liquidação, a Medida Provisória 961 trouxe pontual regime de exceção — embora a antecipação se assemelhe com “suprimento de fundos” [1], mas a restringiu para uso somente quando a antecipação de pagamento contratual for vantajosa à Administração Pública [2].

Em regra, sobrevirá a liquidação da despesa — pois o “pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação”.

O artigo 63 da Lei 4.320/64 prevê que a “liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito”. A finalidade é determinar a origem, o objeto, o valor e o credor do crédito (§1º) e será fundada no contrato, na nota de empenho, e nos “comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço” (inciso III, §2º, artigo 63 da Lei 4.320/64).

Durante a vigência do Decreto Legislativo 6/2020 (durante o estado de calamidade pública da Covid-19), será possível realizar o pagamento após liquidação, mesmo sem a entrega do material e antes da prestação do serviço, desde que a liquidação se baseie no contrato, na nota de empenho ou em estudos fundamentados que comprovem sua real necessidade ou economicidade para a Administração, além de, obviamente, terem sido cumpridos os demais requisitos da medida provisória.

No período excepcional em que vivemos, a autorização legal para o pagamento antecipado pelo poder público aproxima a realização da despesa pública à prática comercial privada. No entanto, ela não significa a supressão das fases da execução da despesa pública, muito menos liberação para a realização de gastos indevidos.

[1] Conferir: artigo 68, Lei 4.320/64; artigo 45 e ss., Decreto 93.872/86; Manual do SIAFI (suprimento de fundos).

[2] Conferir: Lei 8.666/93, artigo 40, XIV, “d”; Decreto 93.872/86, artigo 38; TCU, acórdão 1826/2017, Plenário, Representação, Rel. Ministro Vital do Rêgo.

Texto originalmente publicado em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-25/kanayama-breus-empenho-liquidacao-despesa

Plenário virtual ampliado: o que temos e vemos até agora?

Plenário virtual ampliado: o que temos e vemos até agora?

Análise de quatro aspectos que chamam a atenção para a dinâmica decisória do Supremo

Por MIGUEL GUALANO DE GODOY e EDUARDO ESPÍNOLA ARAÚJO

 

1 – O Plenário Virtual e sua expansão

A expansão do Plenário Virtual no Supremo Tribunal Federal, impulsionado com a pandemia do coronavírus, vem recebendo atenção dos estudiosos e interessados do direito constitucional por três razões principais.

Primeiro, porque diz respeito ao exercício da entrega da jurisdição, que deve ser sempre realizada de forma pública e fundamentada.

Segundo, porque cuida do exercício da jurisdição constitucional, que, além de exigir publicidade e fundamentação, também reclama maior ônus argumentativo em razão da separação dos poderes e, consequentemente e da presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos.

Terceiro, porque o modo como o plenário virtual vem sendo utilizado tem carregado consigo o que Juliana Cesario Alvim chamou de opacidade, na qual não conseguimos distinguir o que é obstáculo ou estratégia.

Em junho do ano passado, quando acrescido ao Regimento Interno do STF o art. 21-B, foi chamada a atenção para a necessidade de o PV ser aperfeiçoado para permitir a deliberação entre os ministros, e não só a votação de casos, ações e recursos. Do contrário, a possibilidade de julgar em ambiente eletrônico a constitucionalidade de leis, decretos e atos normativos federais e estaduais servirá apenas para reforçar o tribunal de solistas que tem caracterizado o STF.

Em março deste ano, com a alteração do art. 21-B do Regimento Interno do STF pela emenda n. 53/2020, o Supremo passou a poder julgar em ambiente eletrônico, “a critério do relator, “todos os processos de competência do tribunal”. Essa ampliação do Plenário Virtual, por mais inevitável e bem vinda que seja, continua a exigir que o STF faça bom uso dessa ferramenta, não só para julgar com celeridade alta quantidade de processos, mas que permita também um incremento deliberativo do PV.

2 – O Plenário Virtual no mês de abril: levantamento

Fizemos um levantamento do uso do Plenário Virtual no mês de abril, quando o Supremo julgou ou começou a julgar 80 processos de controle concentrado de constitucionalidade ao longo de cinco sessões do PV:

04 processos de 27/03 a 02/04;

29 processos de 03/04 a 14/04;

23 processos de 10/04 a 17/04,

13 processos de 17/04 a 24/04;

E, por fim, 11 processos de 24/04 a 30/04.

Da análise dos julgamentos do PV realizados nesse período, dados interessantes puderam ser extraídos em relação (i) aos tipos de ações, (ii) à concessão de liminar, (iii) à presença de amicus curiae, (iv) à inclusão em pauta anterior, (v) ao destaque do feito para julgamento físico, (vi) à votação dos Ministros e (vii) ao resultado do julgamento.

Da análise desses dados, destacamos quatro aspectos que chamam a atenção para a dinâmica decisória do Supremo: destaques, poder de agenda mitigado (mas ainda personalista), predominância do voto do relator e julgamentos por maioria.

Destaques

Primeiro, vale ressaltar não um dado, mas registrar a ausência de um: da forma como o Plenário Virtual está hoje implementado, não é possível fazer o levantamento de quais processos estavam submetidos ao PV, mas foram destacados para o Plenário físico antes do início da sessão de julgamento. Ou seja, se o processo está no PV, mas é destacado para o Plenário físico, ele simplesmente desaparece da pauta do PV. Trata-se de dado relevante, porque permite controlar as razões pelas quais destaques são feitos em um caso, mas não em outro. Daí a importância de se poder rastrear os processos que saíram do PV para o Plenário físico.

Do ponto de vista lógico do desenho do PV, é compreensível que pareça não fazer muito sentido que os processos destacados continuem a aparecer de alguma forma na relação do PV. Mas essa lógica é apenas aparente. Isso porque a retirada do processo do PV para o Plenário físico sem nenhuma indicação de registro ocasiona uma perda evidente em termos de accountability do exercício, pelos ministros, da faculdade de destacar processos para julgamento físico.

Diante dessa “falha” (que só poderia mesmo ser detectada pelo uso da ferramenta), parece desejável e possível formular uma solução que permita à sociedade saber quais processos os ministros entenderam como merecedores de julgamento presencial no Plenário físico.

Ainda em relação aos destaques, os dados mostram que, uma vez iniciado o julgamento no PV, as chances de um processo ser destacado são ínfimas: todos os pedidos de destaque feitos por advogados ou foram indeferidos (26 pedidos indeferidos) ou sequer foram apreciados (11 pedidos sem apreciação), resultando na direta conclusão do julgamento no ambiente virtual. A não apreciação dos pedidos de destaque em praticamente 2/3 dos casos chama atenção. Se a Resolução permite que se requeira a retirada do PV, certamente não é previsão pro forma e nem supérflua. Assim como o pedido deve ser justificado e fundamentado pela parte/proponente, também é de se exigir uma resposta do julgador para o não atendimento do pedido feito.

Ressalta-se que apenas um processo foi destacado pelo ministro Luiz Fux do PV para o Plenário físico após o começo do julgamento (a ADI 5.441).

Poder de agenda mitigado (mas ainda personalista)

O segundo aspecto é o de que a inclusão imediata no PV de processos que o Supremo decidira apreciar no Plenário físico não ocorreu em casos isolados, mas sim em larga escala, confirmando assim o que já havia sido apontado quando analisada a emenda n. 53. Dos 80 processos incluídos no PV em abril, 63 já haviam sido incluídos anteriormente em pauta do Plenário físico.

Desses 63, 04 processos começaram a ser julgados no Plenário físico antes da mudança regimental, mas foram suspensos por pedido de vista. Para a apresentação do voto vista e a retomada do julgamento, estes processos já foram incluídos e acabaram sendo julgados no Plenário virtual (ADI 2.914, ADPF 369, ADI 3.961 e ADC 48).

A inclusão dos processos no PV é decisão que cabe ao ministro relator, iniciando o julgamento, ou ao Ministro vistor, retomando o julgamento após pedido de vista. Assim, há a atenuação do, há muito questionado, poder de agenda da Presidência do STF, mas não a construção da, há muito necessária, agenda do Tribunal. Assim, o PV mitiga o poder de agenda do Presidente, mas ainda evidencia o problema da pauta continuar sendo uma decisão personalista.

Predominância do voto do ministro relator

O terceiro aspecto que merece destaque é a prevalência do voto do ministro relator. Como dito, foram incluídos no PV 80 processos, com 57 julgados. Em praticamente todos, prevaleceu o voto do ministro relator, fosse para julgar procedente (33 processos), improcedente (21 processos), prejudicada (01 processo) ou inadmissível (01 processo). A relatoria foi vencida em apenas 01 processo, na ADI 5.179, em que a Ministra Carmén Lúcia restou vencida ao lado de outros 04 Ministros, prevalecendo o voto do ministro Luiz Fux pela parcial procedência da referida ADI.

Julgamentos por maioria

O quarto e último aspecto diz respeito ao binômio maioria e minoria. Dos 57 processos julgados, 26 foram por unanimidade e 31 por maioria. Dos 31 processos decididos com divergência, em 13 houve apenas um único ministro vencido e, em 10, apenas 02 ministros vencidos. São muito poucos os casos de minorias robustas. Placares de 6×5 ou de 7×4 ocorreram apenas 04 vezes (ADI’s 3.961, 5.179, 4.553 e 6.066). No mais das vezes, as decisões são tomadas por ampla maioria.

3 – Rota de saída: maio e um novo horizonte?

Esses quatro aspectos dos dados levantados sobre os julgamentos realizados no PV no mês de abril, que dizem respeito às 05 primeiras sessões sob a vigência da nova redação do art. 21-B do regimento interno, apontam que, como esperado, o PV parece vir a reforçar a tendência de um tribunal de solistas (e com um uso opaco): processos incluídos em pauta por decisão de um só ministro, decididos pelo voto do relator por ampla maioria.

A mudança regimental e o uso do PV está sob escrutínio. Algumas adaptações, muito bem-vindas, já foram feitas. Desde maio, os ministros já podem disponibilizar relatórios e votos durante a sessão e os advogados podem encaminhar, também ao longo da sessão, memoriais esclarecendo eventual divergência. Cumpre, agora, verificar se tais mudanças irão mesmo impactar a dinâmica individualista do Plenário Virtual que já se apresentou ao longo destas 05 primeiras sessões sob o novo art. 21-B.

A ver.

 

MIGUEL GUALANO DE GODOY – Professor Adjunto de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFPR. Pós-doutor pela Faculdade de Direito da USP. Autor dos livros: Fundamentos de Direito Constitucional (Ed. Juspodivm, 2021); Devolver a Constituição ao Povo: crítica à supremacia judicial e diálogos institucionais (Ed. Fórum, 2017); Caso Marbury v. Madison: uma leitura crítica (Ed. Juruá, 2017); Constitucionalismo e Democracia: uma leitura a partir de Carlos Santiago Nino e Roberto Gargarella (Ed. Saraiva, 2012). Ex-assessor de Ministro do STF. Advogado.
EDUARDO BORGES ESPÍNOLA ARAÚJO – Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília (UnB). Ex-Assessor de Presidente Nacional da OAB. Advogado.

Originalmente publicado em: https://www.jota.info/stf/supra/plenario-virtual-ampliado-o-que-temos-e-vemos-ate-agora-22052020

As decisões do STF durante e após a pandemia: nada será como antes?

As decisões do STF durante e após a pandemia: nada será como antes?

Esperamos que esse período de pandemia promova um avanço, em forma e conteúdo, e não que o novo normal seja um retorno ao passado

Por MIGUEL GUALANO DE GODOY e JOSÉ ARTHUR CASTILLO DE MACEDO

 

A Pandemia da Covid-19 gerou crise sem precedentes na história recente. Autoridades públicas são chamadas a dar respostas às crises sanitária, econômica e política. No entanto, atitudes do presidente da República têm promovido atritos entre os Poderes, e entre a União, governadores e prefeitos, colocando a separação dos Poderes e a federação sob tensionamento constante. Por sua vez, o Supremo tem atuado para tentar mediar parte desses conflitos, ou até mesmo para decidi-los alocando poder de um ente para outro, segundo a sua interpretação da Constituição.

Será que, diante da situação excepcional de três crises simultâneas, haverá uma mudança significativa na forma e no conteúdo das decisões do Supremo? Será que nada será como antes ou o “novo normal” reproduzirá práticas muitas vezes criticadas?

Abaixo apontamos para dois pontos que indicam possíveis mudanças e continuidades. As mudanças podem ser vistas em relação ao conteúdo das decisões de matéria federativa. A continuidade pode ser vista nas decisões monocráticas em relação aos outros Poderes.

Antes da crise, era possível constatar que, em matéria federativa, a jurisprudência da Corte produzia a centralização da Federação, a despeito da retórica encontrada em vários acórdãos do STF. Diversos estudos quantitativos demonstram como a Corte costuma(va) decidir a favor da União de modo a alargar as suas competências, em detrimento dos outros entes, principalmente dos estados.

Porém, a partir do julgamento da ADI 4.060 parece que o STF afirmou que deveria mudar o rumo da sua jurisprudência. O caso discutia os limites do exercício da competência concorrente por parte dos estados, especificamente para estabelecer o número mínimo e máximo de alunos em sala de aula, de modo a atender à peculiaridade da região.

A Corte entendeu, por unanimidade, que a lei de Santa Catarina que estabelecia o limite de alunos em sala de aula era constitucional. Além disso, afirmou que era a hora de iniciar a revisão de sua jurisprudência centralizadora, até então dominante. Foi reconhecido, também, que caberia ao STF dar maior protagonismo aos Estados e Municípios dentro dos limites previstos nas normas constitucionais.

Contudo, o que se pode constatar até aqui é que julgamentos posteriores do STF oscilaram entre a tradicional postura centralizadora em favor da União e uma nova postura descentralizadora, em algumas matérias (notadamente meio ambiente e saúde), em favor dos Municípios e Estados. Nessa seara, têm se destacado os votos do ministro Edson Fachin, que tem apresentado e enriquecido o debate com argumentos interessantes, ainda que passíveis de discussão, a respeito do federalismo brasileiro[1].

Apesar disso, diante da pandemia, diversas medidas adotadas por Estados e Municípios foram questionadas no STF. E, para surpresa de alguns diante da possibilidade de uma mudança de entendimento, o ministro Marco Aurélio deferiu medida cautelar na ADI 6.341, que questionava a possibilidade dos entes federativos de adotarem medidas mais restritivas que as prescritas pela União.

Trata-se de mudança jurisprudencial relevante. E, novamente, para surpresa de muitos, a liminar foi confirmada por unanimidade pelo plenário da Corte.

A partir dessa decisão na ADI 6.341, várias decisões foram e têm sido tomadas, sobretudo em sede de Reclamação, para suspender decisões que não respeitam o entendimento de que os Estados e Municípios podem tomar medidas mais restritivas do que as da União, desde que amparadas em evidências científicas e em recomendações da OMS. Dentre elas, destacam-se restrições ao transporte fluvial no Amazonas, restrições à celebração de cultos no Mato Grosso ou a abertura completa do comércio e de serviços considerados não essenciais em Londrina no Paraná.

Nesse mesmo sentido, ainda no último dia 06 de maio, o STF deferiu, por maioria, medida cautelar na ADI 6.343 para suspender parcialmente a eficácia de dispositivos das medidas provisórias 926 e 927, possibilitando, assim, que Estados e Municípios também adotem medidas de restrição à locomoção intermunicipal e local enquanto durar o estado de emergência sanitária.

Por outro lado, o Supremo monocrático de antes da crise parece continuar a ser o mesmo Supremo monocrático também agora, durante a crise.

Sobre esse aspecto foi significativa a decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes na ADI 6.357, que permitiu uma atuação ampla do Estado sem as exigências e formalidades da Lei de Responsabilidade Fiscal e Lei de Diretrizes Orçamentárias. Se o mérito da decisão é menos controverso, sua forma segue duvidosa. Decisão cautelar monocrática em ADI é algo que não encontra amparo na Constituição (que não concedeu nenhum poder individual aos ministros do STF), na Lei 9.868/99 (que determina que cautelar em ADI seja sempre colegiada, podendo ser monocrática apenas no período do recesso), no CPC ou no Regimento Interno do STF.

Ademais, a decisão poderia ter sido colegiada, pois dias antes o Supremo havia decidido ampliar o uso do Plenário Virtual para todo e qualquer processo ou decisão do STF.

Se o conteúdo da decisão não parece errado, sua forma originária, monocrática, sim o era. E esse erro formal leva o STF diretamente para a gestão do dia a dia da crise financeira e orçamentária do País. Não à toa, quando a decisão monocrática foi referendada pelo Plenário do STF houve debate se deveria haver ou não a fixação de tese que gerasse segurança para os gestores que atuaram com base na decisão monocrática. Além disso, isenta o Presidente de presidir o País e liderar o combate à crise, especialmente no que lhe diz respeito – gestão financeira e orçamentária, com impactos gerais para os outros entes da Federação.

Outro exemplo é a decisão cautelar monocrática na ADPF 663, relatada pelo Min. Alexandre de Moraes, proposta pelo Presidente da República, sobre alteração do rito de edição e análise das Medidas Provisórias. As principais mudanças foram (i) a dispensa de análise das MPs por Comissão Mista, podendo ser analisada direto no Plenário das Casas Legislativas e (ii) a diminuição do prazo de análise das MPs, conforme o sistema de deliberação remoto da Câmara e do Senado.

A Câmara e o Senado rapidamente publicaram o Ato Conjunto nº 01/2020, com a alteração da tramitação das medidas provisórias. Isso fez com que as MPs possam então ser analisadas diretamente no Plenário das Casas e com diminuição de prazo de validade de 120 para 14 dias. Os efeitos dessas medidas ainda estão em análise, mas, como apontam Dimitri Dimoulis e Taís Penteado, não parecem nada promissores.

Contudo, esses aspectos do rito – a apreciação da MP por Comissão mista e o prazo – são temas constitucionais. Não estão ao dispor nem do STF, da Câmara e do Senado por simples ato conjunto; só podem ser alterados por Emenda à Constituição. Por sua vez, o ato conjunto das Casas Legislativas só poderia alterar o que não é disciplinado pela Constituição. Ao legitimar um ato conjunto das Casas Legislativas que altere matéria constitucional, o Supremo viola a Constituição.

Esses exemplos ilustram como parece existir uma permanência no modo de atuação e resposta do STF mesmo diante dos novos desafios que lhe são apresentados pelo cenário de pandemia que vivemos.

O que se pode ver com todos esses exemplos – de mudanças e permanências – é que o Supremo tem sido chamado a contribuir com respostas céleres e substantivas. Os temas e os casos aqui abordados mostram uma atuação do Supremo com lampejos de mudança. Sua forma de atuação, todavia, parece ter mudado muito pouco. E esse modo de atuação não apenas tem sido sentido, como tem gerado ruído na relação com os outros Poderes e entes da Federação.

Por outro lado, seu avanço no tema do federalismo parece ser bem-vindo. Mas ainda está pendente de uma justificação mais densa que explique sua virada jurisprudencial que concentra(va) competências na União, além de outros temas que precisão ser revistos, tais como o nebuloso critério da preponderância dos interesses e ainda enfrentar proposições que vêm sendo feitas sobre como lidar com leis multitemáticas e que trazem consigo aparente conflito de competências, como as que há tempos vêm defendendo, por exemplo, os ministros Edson Fachin e Ricardo Lewandowski, com formas mais arrojadas e critérios mais rigorosos sobre a repartição de competências.

Esperamos que esse período de pandemia promova um avanço, em forma e conteúdo, e não que o novo normal seja um retorno ao passado.

———————————————

[1] RE 194.704, RE 730.721, Votos-vista na ADI 3.165 e ADI 3.356, são alguns exemplos entre outros existentes.

 

MIGUEL GUALANO DE GODOY – Professor Adjunto de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFPR. Pós-doutor pela Faculdade de Direito da USP. Autor dos livros: Fundamentos de Direito Constitucional (Ed. Juspodivm, 2021); Devolver a Constituição ao Povo: crítica à supremacia judicial e diálogos institucionais (Ed. Fórum, 2017); Caso Marbury v. Madison: uma leitura crítica (Ed. Juruá, 2017); Constitucionalismo e Democracia: uma leitura a partir de Carlos Santiago Nino e Roberto Gargarella (Ed. Saraiva, 2012). Ex-assessor de Ministro do STF. Advogado.
JOSÉ ARTHUR DE CASTILLO MACEDO – professor de Direito do IFPR, campus Colombo (PR), doutor em direito pela UFPR, pesquisador do Centro de Estudos da Constituição (CeCons) do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR, advogado integrante da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/PR.

Originalmente publicado em: https://www.jota.info/stf/supra/as-decisoes-do-stf-durante-e-apos-a-pandemia-nada-sera-como-antes-18052020

A Constituição têxtil

A Constituição têxtil

Respostas dos poderes instituídos mostram que maleabilidade do tecido constitucional foi abusada

Por MELINA GIRARDI FACHIN e RODRIGO LUÍS KANAYAMA

A Constituição é um tecido normativo, econômico, político e social complexo. Para que fibras e fios cumpram a sua vocação há necessidade de que a trama constitucional se adapte à dinâmica social e histórica. Assim, a Constituição estabelece um sistema normativo de emenda para, ao mesmo tempo que permanecer, mudar.

Pouco depois de seu 30º aniversário, a Constituição brasileira superou uma centena de emendas, taxa consideravelmente alta que merece ser pensada. Nosso tecido constitucional, por um abuso das mudanças, tornou a Constituição de 1988 uma colcha de retalhos, parafraseando Eros Grau [1].

Mas, mesmo diante dos desafios, a textura constitucional, ainda que esgarçada, mantém seus fios e fibras urdidos. É um tecido flexível, que suporta intempéries – e assim deve ser, para isto foi feita. É furta-cor, de diversas tonalidades. É permeável a novas realidades, ao desenvolvimento da sociedade.

Temos instruções gerais de preservação do nosso tecido constitucional. Rigidez e formalidade, restringindo o poder de emendar, para proteger as cláusulas pétreas consagradas na Constituição contra o efeito perigoso das maiorias oportunistas.

Todavia, em sua etiqueta não existem informações precisas de lavagem e conservação. Não se recomenda torcer, repuxar com força, ou esquecê-la sob a sombra de mudanças constitucionais contingentes.

Repuxando-a, vem o risco à flexibilidade. E esgarça-se o tecido constitucional. Se, diante da elevada taxa de mudanças formais na Constituição e da complexidade da nossa conjuntura política, a costura já mostrava sinais, em tempos excepcionais como estes da pandemia, ficamos com a sensação de que não haverá pano suficiente para agasalhar nossas inquietações.

A premissa da qual sempre devemos partir é a de que medidas que visem à diminuição do impacto do vírus estejam, sempre, em consonância com o Estado de Direito, com a Constituição, para evitar que a crise – que se espera temporária, ainda que não se saiba por quanto tempo – não se perpetue como exceção permanente – esse é o temor de Heloísa Fernandes Câmara e Egon Bockmann Moreira, em artigo publicado no JOTA.[2]

A pandemia é hiperpotencializadora das complexidades constitucionais antes já vividas, e o vírus torna a trama mais esfarrapada. Embora pareça que estamos encarando, no Brasil, uma situação de aparente normalidade institucional, o tecido constitucional foi remendado, esticado e remodelado, mas ainda parece incólume, sem buracos, sem rasgos. Se olharmos de perto, todavia, veremos seu esgarçamento e chegaremos à conclusão de que, de tanto repuxar, é roto. Esperamos que seus rasgos possam ser costurados novamente.

Quando o presidente da República testa, diariamente, os limites constitucionais, está a esticar por demais o pano da Constituição. Provocar rasgos – alguns pequenos, outros enormes – no tecido, estendendo até o ponto em que é possível que venha, rápida e instantaneamente, a total destruição do material têxtil.

Toda manhã, ao sair do Palácio da Alvorada, o presidente ofende a liberdade de imprensa e, paulatinamente, sobe o tom até o “cale a boca”. Defende, regularmente, o golpe de 1964 e desfila com seus apoiadores defensores do AI-5. Ele estica o tecido constitucional ao limite de surgirem fendas com rompimento de fios e fibras constitucionais.

Simetricamente, os demais poderes são atraídos na dinâmica de elastecimento e também, ocasionalmente, corroboram com o esfarrapar nosso tecido. A exceção perpetuada nos excessos e abusos executivos contamina o funcionamento do Judiciário e do Legislativo em comportamentos que, ao invés de coser, esgarçam ainda mais nosso tecido constitucional.

No ano do 20º aniversário da Lei de Responsabilidade Fiscal, o Supremo Tribunal Federal a suspendeu parcialmente (“deu interpretação conforme”) – inovando com modalidade sem precedentes constitucionais de (algo como) inconstitucionalidade conjuntural[3]

O Congresso Nacional acompanha passivo, salvo pelas notas de repúdio e pelos tuítes oficiais. Poucos parecem estar preocupados com a incolumidade da Constituição têxtil, cada dia mais puída, esfarrapada e abandonada ao léu. Não há mais o alfaiate, aquele que cirze a nossa Constituição.

Não se pode dizer pelo acima exposto que tudo funciona bem. A qualidade (ou ausência dela) das respostas exaradas pelos poderes instituídos neste contexto nos leva a pensar que a maleabilidade do tecido constitucional foi abusada e que os rasgos já não serão de remendo tão fácil – se é que ainda é possível tal costura; ainda mais tendo em vista o pano nobre que faz a matéria constitucional.

Será um longo e árduo trabalho para suturar nossa Constituição têxtil, se isto ainda for possível. Não a reconstruiremos tão depressa, mas será nosso papel reparar as rasgaduras com retalhos que nem sempre serão da mesma cor, do mesmo tamanho ou da mesma textura. Afinal, após tantas torções e puxões, pouco poderá ser feito para restituí-la ao estado que sonhamos.


[1] Entrevista do Ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal no Estado de S. Paulo, em 23 de setembro de 2018, disponível em: <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,emendas-transformam-constituicao-numa-colcha-de-retalhos-diz-eros-grau,70002514715>.

[2] CÂMARA, Heloísa Fernandes. MOREIRA, Egon Bockmann. Entre exceções, estado de exceção e normalidade. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/entre-excecoes-estado-de-excecao-e-normalidade-26042020>.

[3] STF. ADI 6351 MC, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, julgado em 26/03/2020, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-076 DIVULG 27/03/2020 PUBLIC 30/03/2020.

Originalmente publicado em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-constituicao-textil-18052020