O plenário virtual no STF: individualismo, vazão e outras tendências

O plenário virtual no STF: individualismo, vazão e outras tendências

O que os números revelam sobre o plenário virtual do Supremo?

Por MIGUEL GUALANO DE GODOY e EDUARDO BORGES ARAÚJO

 

1 – Começou o segundo semestre forense do Supremo

O segundo semestre do STF começou com a expectativa de utilização ainda mais ampla do Plenário Virtual (PV). Em recente webinar promovido pelo Instituto de Garantias Penais, o Presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, destacou que a Corte está cada vez mais próxima de tornar-se um “Supremo 100% digital” [1].

Neste mesmo espaço, já mostramos que, ao ampliar o PV para “todos os processos de competência do tribunal”, o Supremo insiste em mecanismos decisórios e decisões que, em nome da rapidez, privilegiam uma atuação individual e individualista dos ministros.

Também apontamos, a partir do levantamento de todos os processos julgados no Plenário Virtual de abril, que, como era de se esperar, o PV parece mesmo ter dado lugar ao “Tribunal de solistas”, com processos incluídos em pauta por decisão de um só ministro e decididos pelo voto do relator por ampla maioria. O modo de julgamento muda (agora com o PV ampliado, ele se torna mais célere e com alto número de processos julgados). Mas, as decisões e performance decisórias parecem repetir o mesmo script de um Tribunal apenas formalmente colegiado, mas pouco deliberativo e muito individualizado.

Após os primeiros usos do Plenário Virtual ampliado, a Presidência do STF, após conversas com o Conselho Federal da Ordem dos Advogados e demais associações representativas da classe, anunciou mudanças no PV a fim de tornar o julgamento ali mais acessível e transparente. Os relatórios e votos passaram a ser disponibilizados durante, e não mais ao final, da sessão. Os memoriais podem ser enviados no correr do julgamento, viabilizando esclarecimentos de fato. E as sustentações orais antecedem o acesso dos ministros ao campo de votação. As modificações e os aprimoramentos foram bem-vindos, pois mitigam alguns dos problemas antes apontados.

Cumpre analisar, neste momento se as mudanças na dinâmica do julgamento no ambiente virtual impactaram positivamente a entrega da prestação jurisdicional pelo Plenário Virtual ampliado.

2 – O Plenário Virtual do STF em maio e junho

Levantamos os dados relativos aos 129 processos de controle concentrado de constitucionalidade incluídos nas pautas do PV de maio e de abril[1]: 08 de 01/05 a 08/05, 09 de 08/05 a 14/05, 09 de 15/05 a 21/05, 21 de 22/05 a 28/05, 06 de 29/05 a 05/06, 35 de 29/05 a 05/06, 09 de 12/06 a 19/06, e 22 de 19/06 a 26/06.

À semelhança do que foi visto e analisado em abril, os números de maio e junho revelam-nos que a dinâmica decisória individualista continua a prevalecer no Plenário Virtual do STF. Revisitemos com mais detalhes os quatros aspectos que evidenciam essa caracterização a que vimos assistindo desde o começo: o uso dos destaques, a quantidade de processos julgados, a predominância do voto do relator e o julgamento por maioria.

2.1 – Destaque

Foram formulados 23 pedidos de destaque para deslocar o julgamento de processos do meio eletrônico para o meio presencial. Nenhum desses requerimentos, como ocorreu com os requerimentos formulados em maio, foram acolhidos.

Também como em maio, manteve-se constante a proporção entre pedidos apreciados e pedidos não apreciados: somente 2/3 dos destaques foram apreciados.

Contudo, enquanto em abril apenas uma única ação foi destacada por ministro para o julgamento no plenário físico, verificou-se um incremento significativo desse número em maio e junho. Foram 13 ações destacadas, das quais 07 pelo ministro Alexandre de Moraes, 05 pelo ministro Ricardo Lewandowski e 01 pelo ministro Luiz Fux.

Esse crescimento sugere que a possibilidade de as partes fazerem sustentações orais antes da votação e poderem levar esclarecimentos aos ministros durante o julgamento possa ter surtido efeito, chamando a atenção dos julgadores para determinadas ações e fatos relevantes.

Contudo, não se pode afirmar que tais mudanças tornaram o julgamento no PV mais público e transparente, já que resultaram justamente na saída desses processos do ambiente virtual para o ambiente físico.

2.2 – Quantidade: a vazão ao acervo processual

O Plenário Virtual ampliado parece continuar sendo utilizado como válvula de escape ao acervo do STF, que hoje conta com 2.032 processos só no controle concentrado abstrato de constitucionalidade – para além das demais classes processuais, que tipicamente respondem por um volume muito maior da carga de trabalho do tribunal.

Das 129 ações levadas a julgamento virtual em maio e junho, 75 já haviam constado em pauta anterior. Das 75, 05 começaram a ser julgadas em sessão presencial, mas, após pedido de vista, foram retomadas e concluídas em sua apreciação em sessão virtual – quais sejam, a ADI n. 3.763, ADI n. 5.852, ADI n. 3.538, ADI n. 3.543 e ADI n. 4.702.

O uso do PV como mecanismo de vazão do Plenário e das Turmas também está sob análise. Afinal, pode ser um escoadouro de volume (no qual mais vale o quanto se julga do que o quê ou como se julga), como alertado por Fábio Braga e Lucas Henrici Marques de Lima ao analisarem decisões da Corte em matéria tributária. Mas também pode ser um uso estratégico ou opaco, como já chamou a atenção Juliana Cesário Alvim.

2.3 – Predominância do voto do ministro relator

Na primeira análise, referente às ações julgadas no PV em abril, chamou atenção a circunstância de que o relator restou vencido em apenas 01 dos 57 julgamentos. Em todos os demais, fosse para julgar procedente ou improcedente o pedido, prevaleceu o voto do ministro relator.

A relatoria também prevaleceu, em larga medida, nos julgamentos virtuais de maio e junho. Nas 90 ações julgadas, em tão somente 03 o relator saiu vencido: ministro Gilmar Mendes na ADI 6.097, que julgava procedente (impugnação de lei estadual que obriga as operadoras de planos de saúde a notificar os usuários sobre descredenciamento de hospitais e clínicas), o ministro Edson Fachin na ADI 4.288, que julgava improcedente (impugnação de lei estadual que reestrutura as Santas Casas e demais hospitais filantrópicos), e ministro Marco Aurélio na ADI 6.053, que a julgava parcialmente procedente (impugnação de previsões do CPC e Estatuto da OAB sobre honorários de sucumbência a advogados públicos).

Em maio e junho, caiu o número de pedidos de vista. Em abril, foram 22 pedidos de vista num universo de 80 processos, o que corresponde a 27,5%. Essa porcentagem caiu de forma significativa nos dois meses seguintes para 16,2%, quando, dos 129 processos submetidos ao PV, em apenas 21 houve pedido de vista.

2.4 – Julgamento por maioria

Não diferente do visto no mês de abril, os julgados de maio e junho equilibraram-se entre unânimes e majoritários. Dos 90 processos, 42 foram decididos por unanimidade do Plenário e os outros 48 foram decididos por maioria.

Dos processos em que houve vencedores e vencidos, apenas 01 ministro compôs a minoria 17 vezes e 02 ministros compuseram a minoria em 11 vezes.

Uma maioria “apertada” de 6×5 aconteceu apenas em 03 ocasiões (ADPF423, ADI 4.612 e ADI 5.939).

Em 14 julgamentos, 04 ministros compuseram a minoria – o que poderia indicar que a visualização das sustentações e a apresentação de esclarecimentos pode contribuir para um julgamento mais dialógico no ambiente virtual. Porém, desses 14 processos, 03 tramitavam apensados à ADI 3.192 e outros 04 estavam apensados à ADI 5.685, o que certamente inflou artificialmente o número de processos decididos por 7×4.

Portanto, até aqui, seguem predominando no PV processos decididos por ampla maioria.

3 – Conclusão

O que vemos e temos do Plenário Virtual ampliado do STF de março até aqui parece repetir as marcas e características do Supremo nos últimos anos: um tribunal de solistas, com pauta virtual e decisões sempre dependentes de ministros individualmente, com julgamentos formalmente colegiados, mas pouco deliberativos, com possível uso opaco e resultados decididos pelo voto do relator por ampla maioria.

Por outro lado, também assistimos nos últimos meses um esforço pelo aprimoramento procedimental do uso do Plenário Virtual, sobremaneira em relação às sustentações orais e apresentação de questões de fato para serem esclarecidas. Essa abertura de espaços formais de interação são bem vindas porque devem mesmo compor e fazer de um julgamento que deve ser colegiado, deliberativo, contar com a efetiva participação dos proponentes e partícipes das ações.

Por fim, chama a atenção o uso do PV ampliado como possível escoadouro de ações. Se ele já tem permitido um julgamento massivo de ações com as disfunções que vimos apontando, o problema parece aumentar enormemente se passarmos a incluir na análise os agravos, embargos e outras classes processuais que têm ficado de lado.

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[1] Não foram incluídos os recursos internos (AgInt e EDcl) e as medidas cautelares.

 

MIGUEL GUALANO DE GODOY – Professor Adjunto de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFPR. Pós-doutor pela Faculdade de Direito da USP. Autor dos livros: Fundamentos de Direito Constitucional (Ed. Juspodivm, 2021); Devolver a Constituição ao Povo: crítica à supremacia judicial e diálogos institucionais (Ed. Fórum, 2017); Caso Marbury v. Madison: uma leitura crítica (Ed. Juruá, 2017); Constitucionalismo e Democracia: uma leitura a partir de Carlos Santiago Nino e Roberto Gargarella (Ed. Saraiva, 2012). Ex-assessor de Ministro do STF. Advogado.
EDUARDO BORGES ESPÍNOLA ARAÚJO – Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília (UnB). Ex-Assessor de Presidente Nacional da OAB. Advogado.

Originalmente publicado em: https://www.jota.info/stf/supra/o-plenario-virtual-no-stf-individualismo-vazao-e-outras-tendencias-20082020