Pacto faz Brasil avançar nos diálogos com o Sistema Interamericano
Por meio do CNJ, país firmou o Pacto Nacional do Judiciário pelos Direitos Humanos
Por Ana Olsen e Flávia Piovesan
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O Brasil deu um passo fundamental para a concretização de uma cultura jurídica dirigida à efetividade dos direitos humanos. Em 22 de março, por meio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), firmou o Pacto Nacional pelos Direitos Humanos, em que se busca consolidar um compromisso institucional de tornar efetivos os direitos humanos garantidos tanto em tratados internacionais e regionais, como também na jurisprudência interamericana.
À luz dos compromissos convencionais já firmados pelo Brasil há três décadas, com a adesão à Convenção Americana de Direitos Humanos e o reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, se poderia cogitar que se trata de um documento meramente retórico. Exatamente o oposto. Esta iniciativa institucional se dirige ao cumprimento efetivo destes compromissos.
O pacto se inspira na Resolução nº 123 do CNJ, firmada em 7 de janeiro de 2022, que recomenda a todos os órgãos do Poder Judiciário a aplicação dos tratados internacionais e regionais de direitos humanos, o emprego da jurisprudência da Corte Interamericana e a prática do controle de convencionalidade. Ele foi articulado pela Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte IDH, criada pela Resolução n° 364 do CNJ, de 12 de janeiro de 2021, com o objetivo de enfrentar o desafio de criar uma cultura de diálogo com o Sistema Interamericano.
A efetividade das sentenças interamericanas tem sido um desafio persistente no Brasil. Desde a primeira condenação no caso Ximenes Lopes vs. Brasil (2006), até as duas mais recentes, Empregados da Fábrica de Fogos em Santo Antônio de Jesus e seus familiares vs. Brasil (2020) e Barbosa de Souza e outros vs. Brasil (2021), perduram as deficiências estruturais que geram negligência na proteção dos direitos humanos dos grupos vulneráveis. O cumprimento das medidas de reparação integral determinadas nestas sentenças dependem intensamente de um Poder Judicial Nacional transformador, comprometido com as pautas materiais e um efetivo controle de convencionalidade.
Além do valor simbólico, o Pacto Nacional anuncia ações concretas e instrumentais dirigidas à formação da magistratura:
- um concurso nacional de sentenças em direitos humanos em que o critério de escolha se baseia no controle de convencionalidade;
- a meta de inclusão da disciplina de Direitos Humanos nos editais de concurso público para o ingresso na carreira da magistratura nacional;
- o fomento a programas de capacitação em direitos humanos e controle de convencionalidade em cooperação com as Escolas da Magistratura Estadual e Federal;
- a realização de um seminário internacional de capacitação para magistrados e magistradas de tribunais superiores em cooperação com a Corte e a Comissão Interamericana assim como a participação de acadêmicos nacionais e internacionais sobre “Direitos Humanos e Diálogos Jurisdicionais: Controle de Convencionalidade”.
Essas ações indicam um esforço de formação de magistrados e magistradas para que a realização dos direitos humanos integre seu labor diário. O objetivo é que as situações de violação de direitos sejam tratadas em consonância com os compromissos convencionais.
Ademais, o Pacto prevê a publicação de “Cadernos Jurisprudenciais do STF” com livros dedicados a temas relevantes de alcance nacional e regional como liberdade de expressão, direitos humanos das mulheres, das pessoas LGBTI, de povos indígenas e originários, de negros e pardos, e de pessoas privadas de liberdade, com lançamento previsto para agosto.
Trata-se de um estudo e compilação de jurisprudência do STF realizado por acadêmicos da Rede ICCAL Brasil, membros do CNJ e do STF, com o apoio do Instituto Max Planck para Direito Internacional Público e Direito Comparado. Seu objetivo é apresentar as posições adotadas pelo Pleno do Tribunal, assim como a evolução dos diálogos judiciais. Esta análise tem apontado para uma mudança na abordagem dos direitos humanos pelo STF – os anos de isolamento parecem ter ficado no passado.
Nesse sentido, o pacto simboliza o reconhecimento de que cada juiz e juíza brasileira se integram em uma rede que constrói um Ius Constitutionale Commune latino-americano por meio da interpretação e aplicação das normas de direitos humanos. Desse modo, os direitos já reconhecidos na Constituição e nos tratados, assim como na jurisprudência interamericana, se entrecruzam e se preenchem de sentido segundo o princípio pro persona.
As ações planejadas visam de fato a inserir a jurisprudência brasileira nas conversas constitucionais entre tribunais latino-americanos e entre eles e a Corte e a Comissão Interamericanas. Mediante um diálogo cooperativo, não só se incorporam os standards e as boas práticas em direitos humanos, como também a corte brasileira potencializa sua participação em um diálogo bottom up. Na medida em que a jurisprudência nacional considera os tratados e as decisões interamericanas, ganha legitimidade para contribuir dialogicamente com a formação de um Ius Constitutionale verdadeiramente Commune.
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FLÁVIA PIOVESAN – Doutora em direito pela PUC-SP, professora dos programas de graduação e pós-graduação da PUC-SP, Lemann Visiting Scholar no David Rockefeller Center for Latin American Studies da Universidade Harvard. Foi comissionada da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2018-2021), coordenadora científica da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte Interamericana no CNJ
ANA CAROLINA LOPES OLSEN – Doutora em direito pela PUC-PR, visiting researcher no Instituto Max Planck para Direito Internacional Público e Direito Comparado (2019), professora do Centro Universitário Católica SC, membro da Rede ICCAL Brasil
Originalmente publicado em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pacto-faz-brasil-avancar-nos-dialogos-com-o-sistema-interamericano-07042022