Direito ao protesto

Direito ao protesto

Ele deve ser encarado não como moléstia à sociedade e seu funcionamento, mas como meio legítimo de manifestação

Por MIGUEL GUALANO DE GODOY

 

1. Por que o direito ao protesto importa?

Contra a Constituição de 1988, temos assistido a erosão da democracia, o descumprimento das promessas e dos direitos constitucionais. Cada vez mais pessoas têm ido às ruas para se manifestar contra esses retrocessos.

Mas como lidar com os protestos e os conflitos de direitos que eles suscitam?

Se o Direito e a nossa Constituição pretendem se fundar sob o princípio democrático e honrar as promessas constitucionais, devem então assegurar proteção àqueles que hoje saem às ruas, colocando seus corpos e saúde em risco.

Daí a afirmação de Roberto Gargarella de que o direito ao protesto aparece, assim, como o “primeiro direito” – o direito de exigir a recuperação dos demais direitos[1]. Os protestos, a ocupação de praças, parques, marchas em ruas e avenidas, são formas de se chamar a atenção sobre a gravidade do problema político, democrático, social e sanitário que vivemos[2].

Protestos são uma forma privilegiada de expressão. Apesar das manifestações públicas causarem quase sempre algum tipo de moléstia (sujeira nas ruas pela distribuição de panfletos, lentidão ao trânsito de veículos, etc.) elas devem ser toleradas em honra à liberdade de expressão. Os incômodos que eventualmente possam causar devem ser contornados pelas autoridades públicas que devem, por exemplo, organizar o trânsito, manter as ruas limpas.

Nesse sentido, também é certo que os delitos que algumas vezes se cometem nesses atos de protesto (como a eventual quebra de patrimônio público, por exemplo) devem ser reprovados. Os excessos devem ser contidos, os delitos combatidos. Mas eles não podem impedir a continuação das expressões públicas de cidadania. As manifestações podem e devem seguir.

Quando tantas e tantos se unem em um movimento comum contra o autoritarismo do Estado e a falta de concretização de diversos direitos fundamentais, os protestos exprimem uma desesperada necessidade de tornar visíveis situações extremas que, aparentemente, e de outro modo, não têm alcançado visibilidade pública ou sensibilizado governantes.

O fato de que um dado grupo tem outras possibilidades de se expressar (por meio de notas públicas ou petições online, por exemplo) é irrelevante para se avaliar juridicamente os movimentos de protesto e a tomada do espaço público que promovem.

Quem alega que a existência de manifestações diversas dos protestos (por meio de notas públicas ou petições online) tornaria os protestos ilegítimos, ignora as dificuldades (formais e materiais) que a maioria dos grupos que realizam protestos tem para se expressar.

Os métodos convencionais de petição podem, e em geral são, inacessíveis a muitos grupos de cidadãos. Aqueles que não controlam a televisão ou o rádio; os que não têm capacidade econômica para expressar suas ideias pelos jornais ou fazer circular panfletos podem ter um acesso muito limitado ao poder público. E ainda que em algum momento se consiga mobilizar esses meios e modos, os protestos podem se somar como mais uma forma substantiva para se chamar atenção e intervir no debate público.

Quem desconsidera a importância dos protestos sob o argumento de existência de outras formas de manifestação ignora essas dificuldades formais e materiais e ainda parece não respeitar o dissenso. Uma comunidade que assim age deixa de assegurar aos seus cidadão os direitos básicos de se exercer a crítica pública de um modo apropriado e qualificado. Por isso é preocupante que autoridades governamentais, sobretudo policiais, queiram sempre evitar ou por fim às manifestações.

2. Protesto e conflito entre direitos

Quando protestos ocupam praças, parques, ruas e avenidas é comum se falar de conflito entre direitos: de um lado o direito de os protestantes se manifestarem. De outro lado o direito dos cidadãos de circularem livremente pela cidade.

Diante disso, há quem defenda que o alcance dos direitos constitucionais se estabelece à luz de certos interesses coletivos como “o bem comum”; o “bem-estar geral”; o “interesse nacional”. Há ainda aqueles que costumam dizer que “não existem direitos ilimitados”, ou “o direito de cada um termina onde começa o do outro”.

No entanto, afirmações como essas têm muito pouco conteúdo informativo, e menos ainda prescritivo.

Postas dessa forma tão geral, não dizem nada. Não explicam o porquê de movimentos de protestos serem ilegítimos, equivocados no que demandam, ou estarem errados em sua forma. Além disso, diante dessas expressões, os direitos parecem não possuir uma força moral e normativa intrínseca e, assim, parecem sempre dependentes de valores externos a eles, como se seu fundamento e normatividade não fossem suficientes para o seu exercício.

Expressões como “nenhum direito é ilimitado”, ou “o direito de cada um termina onde começa o do outro”, “bem comum” ou “bem-estar geral”, nada dizem sobre como enfrentar o conflito de direitos no caso concreto. Reconhecer que “nenhum direito é ilimitado” ou que “se deve honrar o bem comum” significa pôr fim a uma manifestação? Ou significa que se deve preservar o conteúdo da denúncia feita sob forma de protesto? Onde exatamente estaria a conciliação entre os dois direitos?

Autoridades podem explorar a ambiguidade desses termos para impor decisões arbitrárias e simplesmente encerrar os protestos sem ter que dar maiores justificativas sobre qual direito deve prevalecer.

Além disso, a disputa pela definição do conteúdo dessas expressões tampouco oferece respostas. Ainda que houvesse um consenso sobre o sentido e o conteúdo de noções como “bem comum”, tal postura negaria a possibilidade razoável de estabelecer mudanças nas convicções e nos costumes tradicionais da comunidade.

Além de utilizar argumentos como os que foram vistos acima, muitas vezes as autoridades fundamentam as restrições aos protestos e aos direitos dos manifestantes em nome dos direitos dos demais. A partir de ideia de choque entre direitos, muitas vezes afirma-se que o direito dos manifestantes não pode se sobrepor ou impedir o exercício dos direitos dos demais.

Dessa forma, haveria que se limitar o direito ao protesto de alguns porque é necessário proteger, ao mesmo tempo, o direito de terceiros a transitar livremente, a caminhar por ruas limpas etc.

Entretanto, esse tipo de afirmação, a exemplo do que se alega quando se diz que “nenhum direito é absoluto”, é apenas o início de um raciocínio que deve ser detalhadamente desenvolvido. É preciso, pois, justificar porque se irá dar prioridade de um direito sobre outro.

Quando há uma situação de colisão entre direitos, é certo que um bem jurídico (tutelado pelo direito) será preterido em favor de outro no caso concreto. E, assim, é preciso justificar a prioridade de um direito sobre o outro, a defesa de um bem jurídico em detrimento do outro.

Diante do conflito concreto entre direitos, é preciso defender a preservação e sobreposição dos direitos ligados e mais próximos ao núcleo democrático da Constituição.

Ou seja, se há dezenas de direitos em jogo, como comumente acontece em situações de protestos, deve-se fazer o máximo esforço para preservar os direitos mais intimamente ligados ao núcleo duro da Constituição. E esse núcleo duro deve ser compreendido, em última análise, como as regras básicas do jogo democrático.

Nesse núcleo duro, direitos como os vinculados à liberdade de expressão ocupam então um lugar central. O próprio Supremo Tribunal Federal já tem entendimento consolidado de que a liberdade de expressão ocupa um lugar privilegiado no ordenamento jurídico[3] (nacional e internacional).

Nesse sentido, os direitos ligados ao núcleo democrático da Constituição e também concebidos como “trunfos”, na expressão de Dworkin, são pensados não como uma categoria dependente de outra (como o bem comum, por exemplo), mas como normas invioláveis e oponíveis contra qualquer sujeito, grupo e contra o próprio Estado.

3. Rota de saída: proteger, e não mitigar, o direito ao protesto

Diante das promessas da nossa Constituição de 1988 e dos reclamos que temos visto nos últimos dias, contra o autoritarismo e pela democracia, o direito ao protesto deve ser encarado não como moléstia à sociedade e seu funcionamento, mas como meio legítimo de manifestação.

Se a democracia é o melhor meio para se resolver as questões fundamentais do nosso Estado e da nossa comunidade sem desonrar o compromisso inicial com o igual respeito e consideração por cada cidadão, então os protestos são não apenas meios legítimos, mas também privilegiados para se lembrar da exigência democrática e dos direitos que têm sido relegados nos dias atuais.

É preciso proteger, e não mitigar ou impedir, o direito ao protesto. Especialmente quando ele traz em si o reclamo por democracia e igualdade.

[1] GARGARELLA, Roberto. El derecho a la protesta – el primer derecho. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2005. p. 19.

[2] Vale ressaltar que são as ruas, os parques e as praças os lugares especialmente privilegiados para a expressão pública da cidadania. Os casos “Hague X Cio”, 307 US 496 (1939) e “Schneider X State”308 US 147 (1939) julgados pela Suprema Corte norte-americana se tornaram paradigmáticos ao reconhecerem as ruas, praças e parques como espaços destinados ao uso público para que as pessoas possam nesses lugares sempre se reunir, discutir e protestar sobre questões públicas.

STF. Plenário. ADPF 130, Rel. Min. Carlos Britto, julgado em 30/04/2009.  STF. 1ª Turma. Rcl 22328/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 6/3/2018. O Min. Roberto Barroso cita 5 motivos principais pelos quais a liberdade de expressão ocupa um lugar privilegiado tanto no ordenamento jurídico interno como nos documentos internacionais. São eles: i) a liberdade de expressão desempenha uma função essencial para a democracia, ao assegurar um livre fluxo de informações e a formação de um debate público robusto e irrestrito, condições essenciais para a tomada de decisões da coletividade e para o autogoverno democrático; ii) a proteção da liberdade de expressão está relacionada com a própria dignidade humana, ao permitir que indivíduos possam exprimir de forma desinibida suas ideias, preferências e visões de mundo, bem como terem acesso às dos demais indivíduos, fatores essenciais ao desenvolvimento da personalidade, à autonomia e à realização existencial; iii) este direito está diretamente ligado à busca da verdade. Isso porque as ideias só possam ser consideradas ruins ou incorretas após o confronto com outras ideias; iv) a liberdade de expressão possui uma função instrumental indispensável ao gozo de outros direitos fundamentais, como o de participar do debate público, o de reunir-se, de associar-se, e o de exercer direitos políticos, dentre outros; v) a liberdade de expressão é garantia essencial para a preservação da cultura e da história da sociedade, por se tratar de condição para a criação e o avanço do conhecimento e para a formação e preservação do patrimônio cultural de uma nação. Vide ainda a decisão no âmbito da Rcl. 32.041/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski.

 

MIGUEL GUALANO DE GODOY – Professor Adjunto de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFPR. Pós-doutor pela Faculdade de Direito da USP. Autor dos livros: Fundamentos de Direito Constitucional (Ed. Juspodivm, 2021); Devolver a Constituição ao Povo: crítica à supremacia judicial e diálogos institucionais (Ed. Fórum, 2017); Caso Marbury v. Madison: uma leitura crítica (Ed. Juruá, 2017); Constitucionalismo e Democracia: uma leitura a partir de Carlos Santiago Nino e Roberto Gargarella (Ed. Saraiva, 2012). Ex-assessor de Ministro do STF. Advogado.

Originalmente publicado em: https://www.jota.info/stf/supra/direito-ao-protesto-08062020

Conceito constitucional de democracia em risco

Conceito constitucional de democracia em risco

A diferença não deve(ria) nos tornar inimigos

Por ESTEFÂNIA MARIA DE QUEIROZ BARBOZA e CLÁUDIA BEECK

A Constituição Brasileira determina que o Estado se consolida como Estado Democrático, tendo por fundamento o pluralismo político. O atual presidente elegeu-se a partir de um discurso que equivale o conceito de democracia unicamente à realização dos interesses da maioria eventual vencedora do pleito eleitoral, que coloca os adversários políticos como inimigos.

Esta contradição tem implicado fortes tensões, agora especialmente nas manifestações públicas e protestos, a ponto de que mesmo aqueles que defendem a intervenção militar, o façam sob o suposto manto da defesa da Constituição e da democracia.

É certo que o Texto Constitucional é aberto e fluído e que a característica da textura das normas constitucionais permite uma ampla margem de interpretação e disputa em relação ao sentido destas normas.

Todavia, fora deste espaço de disputa, existem propriamente leituras e interpretações que são absolutamente inapropriadas e mesmo inaceitáveis do ponto de vista constitucional. Existe na Constituição uma reserva de justiça diante da qual confrontando-se a interpretação proposta, esta poderá ser invalidada e considerada inconstitucional[1].

A noção do que seja a democracia pode ser inserida nessa colocação. Existem diversas concepções de democracia que podem ser compatíveis com a Constituição de 1988, mas existem sentidos com os quais ela é absolutamente incompatível.

A Constituição não aceita um entendimento a respeito da democracia que esvazie o valor da diferença e do dissenso e, nessa linha, os atos que intentam a validação desta espécie de conceito fraco de democracia, violam e atacam a Constituição.

O texto da Constituição de 1988 consagra já no artigo primeiro, como princípio fundamental para a constituição de um Estado Democrático de Direito, o pluralismo político. Nisso reside a ideia de que a legitimidade do poder reside na soberania popular, mas também aliada a uma conjugação relevante entre a noção clássica de democracia participativa (que reside na participação a partir do voto), a noção de democracia deliberativa (que implica um processo qualitativo de participação, especialmente em relação as condições do debate) e, ainda, uma noção de democracia pluralista (receptiva em relação a diversidade e ao dissenso).

A inserção de um elemento qualitativo no conceito de democracia, tal qual engendrado pela Constituição, interessa, pois, além do elemento de legitimação da aquisição e do exercício do poder, soma-se o elemento relacionado ao reconhecimento de valores que garantem que a democracia não se tornará unicamente um regime de sujeição das minorias.

Tomando esse sentido, portanto, a Constituição assegura a democracia exatamente pela dimensão de manutenção do pluralismo e da diferença. A democracia é sempre um processo, não de sedimentação de identidades pré-constituídas, mas da própria constituição dessas identidades.

A interpretação judicial da Constituição, no período pós-88, também tem se inclinado no sentido de compreender a democracia tendo por fundamento o pluralismo político e a diversidade, e foi utilizando esse fundamento que o STF votou, por exemplo, o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, proibiu as doações de pessoas jurídicas para partidos políticos, autorizou as normas que estipulavam sistemas de reserva de vagas com base em critérios étnicos raciais e entendeu constitucional lei que assegura o transporte interestadual gratuito para pessoas com deficiência. Até o momento, a leitura que o STF faz do conceito constitucional de democracia implica a convocação do Estado e da sociedade para que promovam uma comunidade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Pesquisas no âmbito da ciência política demonstram que a partir de 1988 há um crescente apoio da opinião pública em relação à democracia e um crescente entendimento do conceito pela população, tanto em relação a noção de liberdade política, como em relação ao componente de fiscalização das instituições.[2]

É certo que a partir de 2014 até 2017 notou-se um recuo da taxa de apoio a democracia, especialmente entre os menos instruídos e mais pobres. Todavia, as pesquisas mais recentes, a partir de 2018, que contemplam já a interferência do fenômeno das fakenews, seguem confirmando que o valor da democracia persiste na opinião pública, como a melhor forma de governo. O descontentamento em relação à democracia, segundo as pesquisas, advém não exatamente da rejeição ao modelo, mas propriamente da incapacidade de sua efetivação de maneira eficaz.

Portanto, a noção de democracia compartilhada a partir da Constituição de 1988, a interpretação dada ao conceito pela doutrina de direito constitucional, pela jurisprudência pátria e pela sociedade civil, é uma noção que supera a mera nota da vontade da maioria apresentada espaçadamente nas urnas. Se trata de uma noção materializada, que implica no reconhecimento do pluralismo, da multiculturalidade, da diferença como parte importante do próprio processo de aprendizado democrático.

Bolsonaro manifesta uma concepção de democracia exclusivamente embasada na aplicação da regra da maioria. Na sua perspectiva, a democracia seria aliada à uma concepção de igualdade exclusivamente formal, que impediria, por exemplo, a adoção de políticas estatais específicas para grupos minoritários.[3] Consolidando sua posição, não é incomum que o presidente se refira pejorativamente às minorias, agredindo-as e ridicularizando-as.[4]

É certo que existe um fenômeno mundial de ascensão de regimes autoritários. Como afirma Scheppele, a democracia liberal na atualidade é uma marca danificada.[5] O ineditismo da situação não está exatamente no fato de uma força autoritária qualquer intentar ascender e dominar o poder, subordinando a Constituição. Tradicionalmente o constitucionalismo convive com os ataques e golpes.

O que diferencia o fenômeno comentado no momento é, em verdade, uma espécie de dissimulação. Os novos agressores da Constituição concorrem em eleições, discursam em prol da Constituição e se utilizam da própria estrutura constitucional para comprometer a Constituição. Isso faz com que seja muito difícil tanto para os analistas internacionais, como para os próprios órgãos de controle interno identificarem os danos e evitá-los em tempo.[6]

O risco diante dessas situações não é propriamente um golpe que expressamente derrube e aniquile a Constituição. O risco se caracteriza pela aniquilação do sentido da Constituição, pois alterando a forma de compreender a Constituição, ela pode deixar de ser o que é.

Uma Constituição precisa ser compreendida pela sua leitura sistemática, pela irradiação de seus princípios, fundamentos e direitos em relação a compreensão do todo constitucional. Mesmo medidas administrativas, de programação de gastos e de gestão de pastas ministeriais, por exemplo, precisam levar em consideração esse amplo contexto constitucional, sob pena de feri-lo e violá-lo.

Para análise do caso brasileiro é necessária a consideração de que o atual presidente da República manifesta publicamente um conceito de democracia restrito, que não correspondente ao conceito constitucional compartilhado e esse é o conceito replicado por seus apoiadores.

Não há por eles uma declarada negação da democracia , pelo contrário, declaram aceitar a democracia e declaram inclusive protegê-la. Todavia, é muitas vezes incompatível com a Constituição o conceito de democracia que pretendem aceitar e proteger.

Sendo assim, a análise do risco que isto pode impor ao constitucionalismo brasileiro, depende, principalmente, de se denunciar essa ideia de democracia restrita. É preciso que esteja sólida a compreensão de que o conceito constitucional de democracia não aceita uma interpretação que nega o pluralismo político e a diversidade, bem como pretende elevar o Executivo a uma suposta superioridade decorrente do pleito eleitoral.

O Judiciário e o Legislativo, além de todas as instituições de controle e também a sociedade civil, precisam estar atentos para impedir, pela desaprovação, pela sustação de efeitos, pela declaração de inconstitucionalidade, pela denúncia e pelo protesto, os atos que coloquem em prática uma concepção de democracia que afronte o desenho constitucional afirmado no pós-88.


[1] Aqui utiliza-se a expressão no sentido cunhado por Vieira. Para mais ver: VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição como reserva de justiça. Lua Nova [online], 1997, n. 42, 79. ISSN 0102-6445. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451997000300003>.

[2] Moisés, José Álvaro. Os significados da democracia segundo os brasileiros, Opinião Pública, vol.16, n. 2, Nov., 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sciarttext& pid=S0104-62762010000200001>.

[3] Para comprovação: “Tudo é coitadismo. Coitado do negro, coitado da mulher, coitado do gay, coitado do nordestino, coitado do piauiense. Vamos acabar com isso”. Vamos acabar com o coitadismo de nordestino, de gay, de negro e de mulher, diz Bolsonaro. Folha de São Paulo. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/vamos-acabar-com-coitadismo-de-nordestino-de-gay-de-negro-e-de-mulher-diz-bolsonaro.shtml>. Bolsonaro critica superpoderes a minorias e ataca movimentos sociais. Veja, 29/10/2018. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/politica/bolsonaro-critica-superpoderes-a-minorias-e-ataca-movimentos-sociais/>. Bolsonaro em 25 frases polêmicas. Terra, 28/10/2018. Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/brasil/bolsonaro-em-25-frasespolemicas,42807775f ee5ce8d514c2e0b803b7969u8szhqse.html>.

[4] Ansa. Brasil não pode ser país do mundo gay. Istoé. 24/05/2019. Disponível em: <https://istoe.com.br/brasil-nao-pode-ser-pais-do-mundo-gay-diz-bolsonaro/ >. Bolsonaro: prefiro filho morto em acidente a um homossexual. Terra. 08/06/2011. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/bolsonaro-prefiro-filho-morto-em-acidente-a-um-homossexual, cf89cc00a90ea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html>.

[5] Scheppele, Kim Lane. Worst practices and the transnational legal order (or how to build a constitutional “democratorship” in plain sight). Disponível em: <https://www.law.utoronto.ca/utflfilecount/documents/events/wrightscheppele2016.pdf?fbclid=IwAR0BdfpftNawJzPHx8GenpNBiw4DImF6UV9f_eU57CA3Gs1Q6PEQSJnDa9g>.

[6] Landau, David. Abusive Constitutionalism. University of California, Davis Law Review, vol. 47, 2013. Disponível em: <https://lawreview.law.ucdavis.edu/issues/47/1/Articles/47-1Landau.pdf. >

ESTEFÂNIA MARIA DE QUEIROZ BARBOZA – Mestre e doutora pela PUCPR. Professora de Direito Constitucional da graduação e pós-graduação da UFPR e da Uninter. Pesquisadora do CCOns – Centro de Estudos da Constituição. Co-diretora do ICON-S Brasil. Vice-presidente da Associação ítalo-brasileira de professores de direito administrativo e constitucional.
CLÁUDIA BEECK – Doutoranda em Direito do Estado pela UFPR, Pesquisadora do Centro de Estudos da Constituição- CCONS, idealizadora do canal cesta básica constitucional: https://www.youtube.com/channel /UCrj WgMrf2mcLeZXsg6AIZaA.

Originalmente publicado em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/conceito-constitucional-de-democracia-em-risco-07062020