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Entre a frustração e a esperança enquanto massacre em Jacarezinho ainda acontece

Entre a frustração e a esperança enquanto massacre em Jacarezinho ainda acontece

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em recente relatório, demonstrou preocupação com a militarização da segurança pública

Por HELOISA FERNANDES CÂMARA e MELINA GIRARDI FACHIN

Vivemos a persistência da violência institucional no Brasil. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020[1] mostram que o número de vítimas de intervenções policiais também aumentou; vítimas estas que têm cor e classe – negros e pobres. O lamentável episódio em Jacarezinho corrobora os dados de truculência da violência policial no Brasil, situação que já foi reconhecida pela comunidade internacional.

A condenação da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Favela Nova Brasília, em 2017, assinalou a demora injustificada na investigação e punição dos responsáveis envolvidos na execução extrajudicial de 26 pessoas e na prática de tortura e estupro, por parte de agentes policiais, na Favela Nova Brasília, no município do Rio de Janeiro.[2] Neste caso, o Estado foi condenado às medidas necessárias para que o estado do Rio de Janeiro estabeleça metas e políticas de redução da letalidade e da violência policial. Vinte e sete anos separam as operações policiais na Favela Nova Brasília e em Jacarezinho; o que mudou parece ser apenas o aumento do número de mortos!

O cenário ainda enfrenta ameaças de retrocessos. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em recente relatório, demonstrou preocupação com a militarização da segurança pública, principalmente com o emprego das Forças Armadas em atividades típicas da segurança pública, e com o aumento da impunidade a partir de leis em discussão no Legislativo Federal. A Comissão também mencionou um aumento nas mortes em operações policiais, sendo que as ações de integração e inteligência não resultaram em uma maior efetividade no combate ao crime organizado. Ou seja, as operações matam muito e são ineficientes[3].

É urgente que a segurança pública seja estruturada a partir de uma concepção constitucionalmente adequada, centrada na proteção de direitos, com proporcionalidade no uso da força e transparência na condução das políticas, dados dos resultados e de procedimentos investigatórios. As Polícias, como instrumento de realização da segurança pública, devem comprometer-se com os direitos humanos e fundamentais, previstos nacional e internacionalmente, e não serem os agentes de violação de tais direitos.

Como todas as atividades da administração pública, é fundamental que o controle – sobretudo de ângulo externo – sobre a atividade policial seja efetivamente desempenhado. Ao mandamento constitucional de controle soma-se a jurisprudência da Corte IDH, pacífica no sentido de que o Estado é responsável pela apuração de crimes, tendo o Ministério Público papel central, pois a apuração deve ser feita de forma independente e imparcial, assegurando às vítimas e aos seus familiares os direitos à proteção e às garantias judiciais.

Apesar da disposição constitucional que impõe a competência do MP no controle externo da atividade policial, há severas lacunas nessa atividade, impondo a necessidade de estruturação de mecanismos eficazes.

Mesmo com as condenações internacionais, o sentimento é de frustração de que pouco ou nada mudou. Talvez o grande diferencial seja o impacto do direito internacional dos direitos humanos no poder judiciário, sendo a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635 exemplo marcante. Em agosto de 2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) referendou liminar proferida pelo relator da ADPF, determinando que as operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, enquanto durar o estado de calamidade pública decorrente da pandemia de Covid-19, devem ser restritas aos casos excepcionais e informadas e acompanhadas pelo Ministério Público estadual (MPRJ).

Uma das maiores e mais impactantes audiências públicas no STF, a audiência para a redução da letalidade policial foi conduzida no contexto da ADPF em abril de 2021 e conferiu oportunidade histórica de manifestação da sociedade e das instituições sobre as causas e consequências da letalidade policial. Menos de um mês depois, sobreveio a chacina de Jacarezinho; que a CIDH reconheceu esta como a ação policial mais letal da história do Rio de Janeiro.

Justamente em função do massacre, o STF foi novamente instado a se manifestar no bojo da ADPF citada a fim de determinar, o conceito de excepcionalidade a justificar as operações policiais nas comunidades – e aqui o nome dado à operação em Jacarezinho, Exceptis, parece ser desrespeito à institucionalidade do decidido pelo plenário do STF – e, além disto, cobrar a investigação e responsabilidade sobre o ocorrido. Em voto de 21 de maio deste ano, o relator circunscreveu os requisitos de excepcionalidade para fins de operação policial: número suficiente de agentes para minimizar as chances de se utilizar a força, acompanhamento de equipe pericial e número suficiente de agentes para assegurar a realização da perícia conforme o Protocolo de Minnesota. Sempre com atenção ao planejamento e inteligência.

O que nos resta é a esperança de quando vier a condenação internacional do Estado brasileiro sobre a Chacina de Jacarezinho – que virá! –  tenhamos já melhorado na democratização da segurança pública. Entendê-la a partir de sua função pública, implica em estabelecer controles internos, externos e sociais, para que a segurança se faça com a proteção de direitos humanos e das pessoas mais vulneráveis que, muitas vezes, só conhecem o Estado na atuação policial. Até lá, o massacre em Jacarezinho ainda persistirá!

 

[1] BUENO, Samira; LIMA, Renato Sérgio de. Anuário brasileiro de segurança pública. Ano 13. São Paulo, 2019. Fórum Brasileiro de Segurança Pública – FBSP.

[2] CORTE IDH. Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil. Sentença de 16 de fevereiro de 2017. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_333_por.pdf. Acesso em: 28 jan. 2021

[3] G1. Estudo aponta que apenas 1,7% das operações policiais no Rio são eficazes. Disponível em:< https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2021/05/09/estudo-aponta-que-apenas-17percent-das-operacoes-policiais-no-rio-sao-eficazes.ghtml>. Acesso em 18 de mai. 2021.

 

HELOISA FERNANDES CÂMARA – Professora na Universidade Federal do Paraná. Doutora e mestre em Direito do Estado (UFPR), pesquisadora visitante no King´s College London. Pesquisadora no Centro de Estudos da Constituição (CCONS).
MELINA GIRARDI FACHIN – Advogada, professora dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Federal do Paraná, membra consultora da Comissão da Mulher Advogada e da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OAB/PR, ambas da OAB/PR .

Originalmente publicado em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/entre-a-frustracao-e-esperanca-enquanto-massacre-em-jacarezinho-ainda-acontece-25052021

‘Teje preso’ e a convocação de testemunha pela CPI

‘Teje preso’ e a convocação de testemunha pela CPI

Julgamento no STF envolve manutenção da independência da OAB como voz da sociedade na defesa do Estado Democrático de Direito

Por RODRIGO LUÍS KANAYAMA e RODRIGO SÁNCHEZ RIOS


Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sempre causa algum furor. O folclore político brasileiro é permeado por histórias interessantes – por vezes, engraçadas – de CPIs que “terminaram em pizza” (tradução: não trouxe resultados relevantes), convocadas para investigar “anões do orçamento” (tradução: investigados eram parlamentares do “baixo clero”), interessadas em apurar os detalhes do contrato entre Nike e CBF e da participação do jogador Ronaldo na final da Copa de 1998, ou que contaram com o famoso “
teje preso” (declarado pela então senadora Heloísa Helena na CPI dos Bancos).

Por onde passa, uma CPI faz história, deixa feridas expostas, e causa dor de cabeça aos governos. Inquestionável é a sua importância no sentido de apurar responsabilidades – comissivas e omissivas – de agentes políticos, sobretudo quando atuam com aparente desídia e minimizam o trágico número de vidas perdidas.

Comum a todas elas é a origem: o art. 58, §3º da Constituição. Deste dispositivo podemos retirar que as CPIs: (a) têm poderes de autoridades judiciais (e outros previstos nos Regimentos); (b) podem ser criadas por uma das Casas ou em conjunto (Senado e Câmara), pelo requerimento de um terço de seus membros; (c) servem à apuração de fato determinado; (d) têm prazo certo de duração; (e) suas conclusões podem ser enviadas ao Ministério Público para responsabilização.

A CPI, portanto, é inerente ao Poder Legislativo, ou seja, o poder investigativo é ínsito ao parlamento[1]. Na teoria jurídica, uma CPI serve como instrumento para fornecer ao Legislativo informações para seu melhor funcionamento, para controlar o governo (na perspectiva do sistema de pesos e contrapesos, evocado sobretudo no art. 2º da Constituição Federal) e para influenciar a opinião pública[2]. Na prática, contudo, a CPI acaba servindo como ferramenta congressual da oposição para incentivar/coibir alguma conduta dos demais atores políticos e também tem objetivo eleitoral, na medida em que expõe à opinião pública as entranhas do governo – sem dar-lhe a mesma voz.

Não entraremos na discussão sobre a criação da CPI pela minoria[3]. Consideremos que, se um terço dos membros da Casa requerer a criação, será criada a CPI. Instituída a CPI e constituída nos termos do Regimento Interno, passa a convocar pessoas, requisitar documentos e informações – em resumo, pode produzir provas como “autoridades judiciais”. Conforme a Lei 1.579/1952 (alterada em 2016), as CPIs poderão “determinar diligências que reputarem necessárias e requerer a convocação de Ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar da administração pública direta, indireta ou fundacional informações e documentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença” (art. 2º). As intimações seguirão os ditames e formalidades da legislação penal (art. 3º).

Seus poderes são amplos. Dentre tantos, analisemos o assunto em maior evidência, impulsionado pela atual CPI em curso: o dever de comparecimento (de testemunhas e investigados). Uma das principais discussões dos últimos dias – mormente em razão do depoimento, na qualidade de testemunha, do ex-ministro Eduardo Pazuello – é a compulsoriedade do comparecimento à comissão. Em 2019, no contexto da CPI de Brumadinho, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, no HC 171.438-DF, convolou a obrigação de comparecer em faculdade, tratando-se de investigado. Afirmou que o indivíduo, na qualidade de investigado, não poderia ser instado a falar e, nessa linha, seu comparecimento não seria compulsório (sendo ilegal condução coercitiva).[4] Como fundamento da decisão, adotou o precedente das ADPFs 395 e 444 (as quais versaram sobre proibição de conduções coercitivas de investigados no âmbito do Processo Penal).

Conquanto o julgamento do HC 171.438 tenha como fato o pedido de um investigado, o julgado deixa em aberto algumas questões. O relator, ministro Gilmar Mendes, no início do seu voto, cita o HC 79.812 (ministro-relator Celso de Mello, J. 16/02/2001), que garantiu direito ao silêncio a investigados e testemunhas em observância ao direito constitucional de não auto-incriminação (sendo toda a argumentação construída sobre esse pilar). No decorrer do voto, o ministro-relator menciona excerto de seu próprio voto na ADPF 395 para justificar o dever ao comparecimento de testemunha[5].

Tal entendimento foi repetido em diversos outros habeas corpus concedidos para investigados ou testemunhas (o ministro Celso de Mello concedeu habeas corpus em favor de pessoas convocadas na qualidade de testemunhas).[6] O argumento central advindo do HC 171.438 (ministro-relator Gilmar Mendes) é: “se o investigado não é obrigado a falar, não faz qualquer sentido que seja obrigado a comparecer ao ato, a menos que a finalidade seja de registrar as perguntas que, de antemão, todos já sabem que não serão respondidas, apenas como instrumento de constrangimento e intimidação“.

No caso do ex-ministro Eduardo Pazuello, a ordem de habeas corpus (HC 201.912 MC–DF – decisão de 14/05/2021)[7] foi concedida parcialmente, mantendo-se na linha dos procedentes já citados e outros prolatadas pela Corte Constitucional.

Primeiro, o relator, ministro Ricardo Lewandowski, entendeu que o atendimento à convocação na qualidade de testemunha constitui um dever. Segundo, afastou como precedente as ADPFs 395 e 444 pois, segundo sua decisão, a questão em tela não envolve “convocações coercitivas impostas de forma arbitrária aos investigados“. Terceiro, manteve a linha do precedente e concedeu a ordem para garantir o direito ao silêncio (com a finalidade de afastar a auto-incriminação – não podendo faltar com a verdade naquilo que não o envolvesse diretamente como investigado em procedimentos outros já instaurados nas searas competentes), o direito de ser assistido por advogado, o direito a ser tratado com urbanidade e de não sofrer constrangimento físico ou moral (especialmente ameaça de prisão).

distinguishing da ordem concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski é coerente. Separou as convocações na qualidade de testemunhas das realizadas na qualidade de investigados. Não obstante o necessário respeito aos direitos de testemunhas (e investigados), limitando-se o famoso “teje preso”, o STF tende à compreensão no sentido do dever do comparecimento de testemunhas. O que jamais poderá se olvidar, contudo, é a prevalência do nemo tenetur se detegere em qualquer circunstância na qual o inquirido – seja na qualidade de testemunha ou investigado – possa vir a ser compelido a confessar a realização de um delito ou participação neste – linha essa a qual parece ter sido edificada na decisão monocrática de lavra do ministro Ricardo Lewandowski em favor do ex-ministro da Saúde.

[1]  No Direito norte-americano, conferir McGrain v. Daugherty, 273 U.S. 135 (1927).

[2]  SCHWARTZ, Bernard. Direito Constitucional Americano. Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 99-103.

[3]  Esse assunto foi bem debatido no artigo da Roberta Simões Nascimento – Pode o STF determinar a criação da CPI da Pandemia?, disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/pode-o-stf-determinar-a-criacao-da-cpi-da-pandemia-31032021 – e na decisão do STF no MS 37.760 (Rel. Min. Roberto Barroso).

[4]  Conforme o voto do Min. Gilmar Mendes, “por sua qualidade de investigado, não pode o paciente ser convocado a comparecimento compulsório, menos ainda sob ameaça de responsabilização penal.

Ora, se o paciente não é obrigado a falar, não faz qualquer sentido que seja obrigado a comparecer ao ato, a menos que a finalidade seja de registrar as perguntas que, de antemão, todos já sabem que não serão respondidas, apenas como instrumento de constrangimento e intimidação, como sói ocorrer nos interrogatórios havidos pelo País.

É autêntica lawfare da acusação: registram-se as perguntas apenas tentar provocar prejuízo ao interrogado, por exercer seu direito ao silêncio.” (STF – HC 171.438 DF, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 28/05/2019).

Nesse julgamento votou com o Min. Relator o Min. Celso de Mello. E concedendo a ordem em menor extensão (não convolando a compulsoriedade em facultatividade) os Ministros Edson Fachin e Carmen Lúcia.

[5]  “Para que a condução coercitiva fosse legítima, ela deveria destinar-se à prática de um ato ao qual a pessoa tem o dever de comparecer, ou ao menos que possa ser legitimamente obrigada a comparecer.

Veja-se a condução da testemunha, por exemplo. Existe o dever de depor como testemunha – art. 202 do CPP. O testigo deve fazer-se presente na hora e no local assinalados na intimação. Inexiste a prerrogativa de fazer-se ausente.

A condução coercitiva da testemunha faltante é simples meio de exigir o cumprimento do dever de apresentar-se para depor – art. 218 do CPP.

Nesse caso, há uma finalidade claramente estabelecida, a ser afirmada por medidas proporcionais, conferidas pelo legislador.” (STF – ADPF 395 – excerto do voto do Min. Gilmar Mendes – proferido em 07/06/2018).

[6]  Conferir: HC 174.853, HC 172.199, HC 175.087, HC 175.555, HC 175.657 e outros, todos da Relatoria do Min. Celso de Mello. E RCl 39.449, da Relatoria do Min. Gilmar Mendes.

[7]  Conforme decisão do Min. Relator: “No que diz respeito à situação concreta do paciente, que ocupou o cargo de Ministro de Estado da Saúde por aproximadamente 10 meses, não vejo como dispensá-lo da convocação feita pelo Senado Federal para depor perante a CPI, tendo em conta a importante contribuição que poderá prestar para a elucidação dos fatos investigados pela Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Pandemia da Covid-19.

Salta à vista, porém, que a sua presença na indigitada CPI, ainda que na qualidade de testemunha, tem o potencial de repercutir em sua esfera jurídica, ensejando-lhe possível dano. Por isso, muito embora o paciente tenha o dever de pronunciar-se sobre os fatos e acontecimentos relativos à sua gestão, enquanto Ministro da Saúde, poderá valer-se do legítimo exercício do direito de manter-se silente, porquanto já responde a uma investigação, no âmbito criminal, quanto aos fatos que, agora, também integram o objeto da CPI.

(…)

Aqui, convém esclarecer que a obrigação de comparecimento do paciente para depor não pode ser afastada, pois, ao menos em um juízo de cognição sumária, o direito ao silêncio e o dever de atender à convocação da CPI, são institutos de conteúdo normativo distintos, em que pese haver uma tênue linha de separação entre eles, não se tratando, a meu ver, da mesma situação delimitada nos precedentes firmados nas ADPFs 395 e 444, ambas de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em que o Plenário desta Suprema Corte proibiu as conduções coercitivas impostas de forma arbitrária aos investigados.

Tenho que o atendimento à convocação expedida pela Comissão Parlamentar de Inquérito, segundo os termos constitucionalmente estabelecidos, consubstancia um dever do paciente, especialmente porque comparecerá na condição de testemunha. O atendimento à convocação, em verdade, configura uma obrigação imposta a todo cidadão, e não uma mera faculdade jurídica.” (STF – HC 201.912 MC–DF – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – decisão de 14/05/2021).

 

RODRIGO LUÍS KANAYAMA – membro do Centro de Estudos da Constituição (CCONS/UFPR) e do Núcleo de Direito e Política (DIRPOL/UFPR). Na Faculdade de Direito da UFPR, é Professor Adjunto de Direito Financeiro e Chefe do Departamento de Direito Público. É Conselheiro Estadual da OAB/PR, onde também preside a Comissão de Estudos Constitucionais, e sócio da Kanayama Advocacia em Curitiba.
RODRIGO SÁNCHEZ RIOS – Doutor em Direito Penal e Criminologia pela Università degli studi di Roma III – La Sapienza. Professor de Direito Penal da PUCPR. Advogado Criminalista.

Originalmente publicado em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/teje-preso-convocacao-testemunha-cpi-25052021

O PGR Augusto Aras: a representação absurda e a queixa inepta

O PGR Augusto Aras: a representação absurda e a queixa inepta

Em Brasília, a PGR tramita procedimentos como quem troca vasos de lugar

Por MIGUEL GUALANO DE GODOY

Depois da representação por suposta violação ética, o procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, apresentou queixa-crime contra o professor Conrado Hübner Mendes (USP).

Os fatos são os mesmos: as críticas que o professor Conrado fez em sua coluna semanal,  na Folha de S. Paulo e em sua conta no Twitter, a Augusto Aras, por sua atuação como PGR. Ou melhor, pela sua falta de atuação, por sua conivência com as seguidas violações que o presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e sua administração cometem contra a Constituição e o país. Não custa lembrar, já são mais de 440 mil mortes, boa parte delas, como estimam cientistas, evitáveis. E mortes evitáveis têm responsabilidades atribuíveis.

Conrado pontuou diversas ações e omissões do PGR Augusto Aras. E se chegamos até aqui, com mais de 440 mil vidas perdidas, com uma atuação parca da PGR, é porque há muito mesmo o que se discutir. Seus colegas no Amazonas fizeram mais e melhor do que o PGR em Brasília. No Amazonas, o general Eduardo Pazuello responde por improbidade administrativa. Em Brasília, a PGR tramita procedimentos como quem troca vasos de lugar. Mexe aqui, ali, para manter tudo em ordem. Ou sob às ordens.

Se a representação já era uma peça absurda, ao buscar punir quem defende suas ideias na Universidade, templo da ciência e destas mesmas ideias, a queixa-crime é uma peça despropositada, pela ausência do crime cuja existência acusa.

Não houve crime porque não se violou a honra daquele que, sendo membro do Ministério Público Federal, ocupante do cargo de PGR, sujeita-se à crítica pública e transparente sobre os atos que pratica, ou deixa de praticar, no exercício deste mesmo cargo. O relevante múnus público sujeita o PGR a um nível mais intenso de escrutínio público de sua atuação, pois o que faz ou deixa de fazer interessa a todos nós, inclusive à sua instituição (o MPU em geral e o MPF em particular). É esse o posicionamento da Comissão[1] e da Corte Interamericana de Direitos Humanos[2]. E também do Tribunal Europeu de Direitos Humanos[3]. O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) tem reafirmado a importância da liberdade de expressão e crítica a autoridades públicas[4].

Logo, ainda que Aras se sinta ofendido, não houve crime se as críticas lhe foram dirigidas pelo exercício do cargo, em razão do que faz, do que não faz, e que vêm sendo objeto da discussão e crítica públicas feitas pelo professor Conrado Hübner Mendes. Se uma pessoa exerce um dos cargos mais relevantes do País – o de PGR, sua atuação está sujeita a um debate público intenso, profundo, crítico, e que pode sim lhe imputar qualificações negativas que, fundamentalmente, demonstrem os erros e déficits de sua atuação.

Trocando em miúdos, se a liberdade de expressão já nos garante a todos a possibilidade de exprimirmos nossas ideias e críticas, tanto mais quando ela é dirigida ao debate público e ao escrutínio de um agente público como o Procurador-Geral da República, aquele que deveria proteger a ordem jurídica e o regime democrático. Mas tem sido o primeiro a se levantar contra um professor e pesquisador.

Que pesado é o giz do professor Conrado para sobrecarregar um PGR que não sente o fardo de mais de 440 mil mortes em torno de si e nem busca ver quem, como e porque debilita as instituições e a democracia do país.

Se a representação perante a USP é absurda, a queixa é manifestamente inepta. Não há ilícito, apenas o que se parece desconhecer: o exercício do direito fundamental à liberdade de expressão.

[1] Vide a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/s.Convencao.Libertade.de.Expressao.htm

[2] Vide o caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_107_esp.pdf

[3] Vide o caso Dichand and Others v. Austria: http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-60171

[4] Vide, por exemplo, a ADI 4.451

MIGUEL GUALANO DE GODOY – Professor Adjunto de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFPR. Pós-doutor pela Faculdade de Direito da USP. Autor dos livros: Fundamentos de Direito Constitucional (Ed. Juspodivm, 2021); Devolver a Constituição ao Povo: crítica à supremacia judicial e diálogos institucionais (Ed. Fórum, 2017); Caso Marbury v. Madison: uma leitura crítica (Ed. Juruá, 2017); Constitucionalismo e Democracia: uma leitura a partir de Carlos Santiago Nino e Roberto Gargarella (Ed. Saraiva, 2012). Ex-assessor de Ministro do STF. Advogado..

Originalmente publicado em: https://www.jota.info/stf/supra/o-pgr-augusto-aras-a-representacao-absurda-e-a-queixa-inepta-24052021

Mesma remuneração para o mesmo trabalho

A Constituição têxtil

Respostas dos poderes instituídos mostram que maleabilidade do tecido constitucional foi abusada

Por ROBERTA SIMÕES NASCIMENTO, MELINA GIRARDI FACHIN, CRISTINA MARIA GAMA NEVES DA SILVA e ALINE OSÓRIO.

No último dia 27 de abril, foi enviado à sanção presidencial o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 130, de 2011, aprovado pelas duas Casas do Congresso Nacional, que acrescenta o § 7º ao art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452/43, para combater a diferença de remuneração entre homens e mulheres no Brasil. O projeto de lei estabelece que considerar o sexo, a idade, a cor ou a situação familiar como variável determinante para fins de remuneração importará na imposição, pela Justiça do Trabalho ao empregador, de “multa em favor da empregada de até 5 (cinco) vezes a diferença verificada em todo o período da contratação, observado o prazo prescricional”.

Não há dúvida de que o PLC 130/2011 é instrumento de realização da proibição constitucional de desigualdade salarial entre homens e mulheres, prevista expressamente no art. 7º, inciso XXX, pelo qual se estabeleceu a “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.  Antes mesmo da Constituição de 1988, a própria Consolidação das Leis do Trabalho de 1943 já previa em seu art. 5º: “A todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo”. Também seu art. 461 já previa que, sendo idêntica a função, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo.

Em 1999, a Lei nº 9.799 inseriu na CLT regras sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho, entre as quais se destaca a vedação de, entre outras condutas, considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional (art. 373-A, inciso III, da CLT).

Nada obstante, tais normativas não têm sido suficientes para impedir a persistência da discriminação sofrida pelas mulheres no mercado de trabalho. E, notadamente, a diferença de salários (em relação ao que é pago aos homens que exercem as mesmas funções) é a feição mais perniciosa dessa discriminação. Dados recentes do IBGE[1] dão conta que o gap chega a ser de quase 25%. Entre diretores e gerentes, grupo com rendimentos mais elevados, a diferença é ainda maior: a remuneração das mulheres foi de cerca de 62% daquela auferida por homens (uma diferença de quase 40%, portanto).[2]

A diferença salarial, que tem maior impacto nas classes mais baixas, é justamente uma das razões que impedem as mulheres de formar poupança ao longo da vida.

Afinal, qualquer quantia de diferença salarial mensal, por menor que seja, quando capitalizada mês a mês durante a vida útil laboral média de uma trabalhadora mulher pela taxa de juros básica da economia, torna-se um valor expressivo, demonstrando o caráter abismal dessa discrepância.

Diante desse contexto, o que podem fazer as mulheres? Reclamar individualmente (e correr o risco de perder o emprego)?

Não há dúvida que um caminho eficaz para garantir a igualdade salarial é aquele traçado pelo Congresso Nacional ao aprovar o PLC nº 130, de 2011, após 10 anos de tramitação, impondo-se multa para a infração ao citado art. 373-A, III, da CLT.

Durante os debates parlamentares, foram feitas diversas alterações ao texto originário: 1) inseriu-se a possibilidade de gradação da multa (na versão original, o valor era fixo, correspondente a 5 vezes a diferença verificada em todo o período da contratação); 2) determinou-se a observância do prazo prescricional de 5 anos; e 3) mudou-se a natureza administrativa (a previsão seria inserida no art. 401 da CLT) para fixar seu caráter judicial, somando-se às sanções já existentes no art. 461 da CLT.

A Lei nº 13.467/2017, que implementou reforma trabalhista no governo Temer, já havia acrescentado uma multa aos empregadores por discriminação de gênero. Trata-se do § 6º inserido no art. 461, que dispõe que: “No caso de comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferenças salariais devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.”. A multa, que independente da diferença verificada e do período de trabalho, surtiu pouco efeito, ante seu valor fixo e módico (hoje equivale a aproximadamente R$ 3.200,00)

Em que pese sua constitucionalidade e inegável relevância, o PLC n. 130, de 2011, vem enfrentando resistências para a sanção. No dia 22 de abril, durante a sua live semanal (a partir do minuto 31 do vídeo), o presidente Bolsonaro apresentou um falso dilema: se vetar o projeto, afirma que seria “massacrado” (politicamente); se sancionar, insinuou que a novidade poderia “quebrar as empresas”. Além disso, o Presidente questionou se a sanção não imporia maior dificuldade para as mulheres arranjarem emprego. No seu raciocínio, pôr fim à discriminação salarial pode piorar a situação das mulheres. Perguntou: se sancionar, como será o mercado de trabalho para as mulheres no futuro?

Esses questionamentos devem – é claro – ser levados a sério: a atenção para as consequências é uma das marcas do raciocínio legislativo. Porém, é preciso tomar cuidado com a versão falaciosa do argumento consequencialista, que pode estar presente quando não são apresentados dados ou estudos que embasem o raciocínio.

A decisão legislativa é orientada para o futuro: guia-se para a realização do estado de coisas desejado (ou para acabar com aquele considerado problemático), sendo certo que, entre as razões que justificam a aprovação das leis, está precisamente o potencial (da medida que se pretende adotar) para alcançar os objetivos fixados (a adequação meios-fins).

Normalmente, com a aprovação das leis, pretende-se mudar uma dada realidade (no caso, a “discriminação salarial entre homens e mulheres”), o que exige que a decisão legislativa se paute em um adequado diagnóstico sobre o que causa esse “problema social”.

A respeito do primeiro argumento, de que a multa ameaçaria a sobrevivência das empresas, parece que a resposta já foi dada pelo próprio Poder Legislativo quando incluiu a possibilidade de gradação, estabelecendo como teto a quantia de 5 vezes a diferença salarial identificada. A aplicação da multa pelos juízes e tribunais será, assim, pautada pela observância do princípio da proporcionalidade. Na fixação da quantia, por óbvio, a capacidade da empresa de arcar com o valor poderá ser considerada. Em todo caso, se a multa for aplicada de forma imoderada e desproporcional por juízes e tribunais, isso pode ser corrigido pelo sistema recursal. Além disso, deve-se considerar que, na prática, a observância do prazo prescricional também funcionará como limitadora das quantias a serem pagas.

Ainda sobre esse ponto, vale lembrar que, nas situações em que o trabalho prestado por homens e mulheres não for idêntico, é claro que não incidirá a multa pretendida com o § 7º, se acrescido ao art. 461 da CLT. Isso porque a sanção somente será aplicável nos casos de discrepância salarial injustificada, arbitrária e discriminatória. Não haveria, nessa hipótese, qualquer inconstitucionalidade ou contrariedade ao interesse público que pudessem justificar o veto à proposição legislativa, nos termos do art. 66, § 1º, da CF.

A respeito do segundo argumento, de que a multa teria o efeito perverso de dificultar a obtenção de empregos pelas mulheres, não há dado empírico a sustentar essa conclusão. Pelo contrário, cada vez mais a presença de mulheres em empresas, em especial em cargos diretivos, tem sido relacionada à melhoria da performance corporativa. A título exemplificativo, o estudo “Women in Business and Management: The Business Case for Change”, da OIT/ONU, apontou que a diversidade de gênero produz aumento de lucros e da produtividade de 62,6%[3],

Aliás, a própria reforma trabalhista, aprovada em 2017, é um exemplo ilustrativo de que a flexibilização de direitos trabalhistas não gera aumento do emprego, considerando que 2 anos após a sua aprovação o desemprego atingia 12,5 milhões de brasileiro, ao passo que na época da aprovação da reforma o desemprego estava na casa de 12,7 milhões.[4]

Ademais, dados do Banco Mundial no relatório “Unrealized Potential: The High Cost of Gender Inequality in Earnings”[5] apontam que riqueza mundial aumentaria 14% se não houvesse diferenciação de salário em razão do sexo e que a perda de riqueza de capital humano alcança a quantia de U$ 160,2 trilhões.

Nada obstante tudo isso, mesmo diante da legitimidade dos objetivos legislativos (que são constitucionais) e da presença de racionalidade teleológica, não se descarta a possibilidade de que não seja alcançado o estado de coisas desejado (ou, de que eventualmente surjam consequências não previstas ou indesejadas). Isso pode acontecer porque a “origem” da discrepância salarial entre homens e mulheres tem uma raiz mais profunda do que a conduta de alguns empregadores, sendo um problema complexo, relacionado ao patriarcado que sustenta a discriminação estrutural e institucional contra as mulheres.

Para essas situações, no entanto, o remédio seria nada mais do que proceder ao monitoramento dos efeitos da lei (um dever inerente ao devido processo pós-legislativo) e, conforme os resultados das avaliações ex post, a norma do PLC nº 130, de 2011, poderá ser objeto de alterações legislativas futuras. Inclusive, para fins de aprofundamento das conquistas em direção à igualdade salarial entre homens e mulheres, incorporando adequadamente a perspectiva de gênero, como já sugerido aqui, inclusive. Nesse sentido, a legislação da Islândia, que prevê que os empregadores devem ter sistemas de remuneração transparentes e devem comprovar a paridade salarial, obtendo certificação – pode servir de inspiração para avanços futuros.[6]

Em suma, a PLC nº 130, de 2011 apenas buscar cumprir uma das promessas da redemocratização, qual seja, o postulado constitucional da igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, inciso I, da CF).

 

[1] Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/03/04/mulheres-ganham-77-7-dos-salarios-dos-homens-no-brasil-diz-ibge

[2] Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/30172-estatisticas-de-genero-ocupacao-das-mulheres-e-menor-em-lares-com-criancas-de-ate-tres-anos

[3] Disponível em: https://www.ilo.org/global/publications/books/WCMS_700953/lang–en/index.htm

[4] Disponível em: https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2020/11/11/reforma-trabalhista-completa-3-anos-veja-os-principais-efeitos.ghtml; https://economia.uol.com.br/reportagens-especiais/reforma-trabalhista-completa-dois-anos-/#page1.

[5] Disponível em https://www.worldbank.org/en/topic/gender/publication/unrealized-potential-the-high-cost-of-gender-inequality-in-earnings

[6] Ines Wagner, How Iceland is Closing the Gender Gap, Harvard Business Review (Jan. 8, 2021), https://hbr.org/2021/01/how-iceland-is-closing-the-gender-wage-gap

 

ROBERTA SIMÕES NASCIMENTO – Professora adjunta na Universidade de Brasília (UnB). Advogada do Senado Federal desde 2009. Doutora em Direito pela Universidade de Alicante, Espanha. Doutora e mestre em Direito pela UnB.
MELINA GIRARDI FACHIN – Advogada, professora dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Federal do Paraná, membra consultora da Comissão da Mulher Advogada e da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OAB/PR, ambas da OAB/PR .
CRISTINA MARIA GAMA NEVES DA SILVA – Advogada e sócia do Lacombe e Neves da Silva Advogados Associados. Mestre pela University of California Berkeley. Especialista em direito constitucional e teoria crítica em direitos humanos. Presidente da Elas Pedem Vista. Membro do LiderA, observatório eleitoral e IBRADE. Vice-presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais da OAB/DF. Diretora Jurídica do Instituto Gloria.
ALINE OSÓRIO – Secretária-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mestre em Direito Público pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e LL.M pela Harvard Law School. Professora de Direito Constitucional e Eleitoral do UniCeub e atual autora do livro “Direito eleitoral e liberdade de expressão”.

Originalmente publicado em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/elas-no-jota/mesma-remuneracao-para-o-mesmo-trabalho-06052021

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