Plenário virtual ampliado: o que temos e vemos até agora?
Análise de quatro aspectos que chamam a atenção para a dinâmica decisória do Supremo
Por MIGUEL GUALANO DE GODOY e EDUARDO ESPÍNOLA ARAÚJO
1 – O Plenário Virtual e sua expansão
A expansão do Plenário Virtual no Supremo Tribunal Federal, impulsionado com a pandemia do coronavírus, vem recebendo atenção dos estudiosos e interessados do direito constitucional por três razões principais.
Primeiro, porque diz respeito ao exercício da entrega da jurisdição, que deve ser sempre realizada de forma pública e fundamentada.
Segundo, porque cuida do exercício da jurisdição constitucional, que, além de exigir publicidade e fundamentação, também reclama maior ônus argumentativo em razão da separação dos poderes e, consequentemente e da presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos.
Terceiro, porque o modo como o plenário virtual vem sendo utilizado tem carregado consigo o que Juliana Cesario Alvim chamou de opacidade, na qual não conseguimos distinguir o que é obstáculo ou estratégia.
Em junho do ano passado, quando acrescido ao Regimento Interno do STF o art. 21-B, foi chamada a atenção para a necessidade de o PV ser aperfeiçoado para permitir a deliberação entre os ministros, e não só a votação de casos, ações e recursos. Do contrário, a possibilidade de julgar em ambiente eletrônico a constitucionalidade de leis, decretos e atos normativos federais e estaduais servirá apenas para reforçar o tribunal de solistas que tem caracterizado o STF.
Em março deste ano, com a alteração do art. 21-B do Regimento Interno do STF pela emenda n. 53/2020, o Supremo passou a poder julgar em ambiente eletrônico, “a critério do relator”, “todos os processos de competência do tribunal”. Essa ampliação do Plenário Virtual, por mais inevitável e bem vinda que seja, continua a exigir que o STF faça bom uso dessa ferramenta, não só para julgar com celeridade alta quantidade de processos, mas que permita também um incremento deliberativo do PV.
2 – O Plenário Virtual no mês de abril: levantamento
Fizemos um levantamento do uso do Plenário Virtual no mês de abril, quando o Supremo julgou ou começou a julgar 80 processos de controle concentrado de constitucionalidade ao longo de cinco sessões do PV:
04 processos de 27/03 a 02/04;
29 processos de 03/04 a 14/04;
23 processos de 10/04 a 17/04,
13 processos de 17/04 a 24/04;
E, por fim, 11 processos de 24/04 a 30/04.
Da análise dos julgamentos do PV realizados nesse período, dados interessantes puderam ser extraídos em relação (i) aos tipos de ações, (ii) à concessão de liminar, (iii) à presença de amicus curiae, (iv) à inclusão em pauta anterior, (v) ao destaque do feito para julgamento físico, (vi) à votação dos Ministros e (vii) ao resultado do julgamento.
Da análise desses dados, destacamos quatro aspectos que chamam a atenção para a dinâmica decisória do Supremo: destaques, poder de agenda mitigado (mas ainda personalista), predominância do voto do relator e julgamentos por maioria.
Destaques
Primeiro, vale ressaltar não um dado, mas registrar a ausência de um: da forma como o Plenário Virtual está hoje implementado, não é possível fazer o levantamento de quais processos estavam submetidos ao PV, mas foram destacados para o Plenário físico antes do início da sessão de julgamento. Ou seja, se o processo está no PV, mas é destacado para o Plenário físico, ele simplesmente desaparece da pauta do PV. Trata-se de dado relevante, porque permite controlar as razões pelas quais destaques são feitos em um caso, mas não em outro. Daí a importância de se poder rastrear os processos que saíram do PV para o Plenário físico.
Do ponto de vista lógico do desenho do PV, é compreensível que pareça não fazer muito sentido que os processos destacados continuem a aparecer de alguma forma na relação do PV. Mas essa lógica é apenas aparente. Isso porque a retirada do processo do PV para o Plenário físico sem nenhuma indicação de registro ocasiona uma perda evidente em termos de accountability do exercício, pelos ministros, da faculdade de destacar processos para julgamento físico.
Diante dessa “falha” (que só poderia mesmo ser detectada pelo uso da ferramenta), parece desejável e possível formular uma solução que permita à sociedade saber quais processos os ministros entenderam como merecedores de julgamento presencial no Plenário físico.
Ainda em relação aos destaques, os dados mostram que, uma vez iniciado o julgamento no PV, as chances de um processo ser destacado são ínfimas: todos os pedidos de destaque feitos por advogados ou foram indeferidos (26 pedidos indeferidos) ou sequer foram apreciados (11 pedidos sem apreciação), resultando na direta conclusão do julgamento no ambiente virtual. A não apreciação dos pedidos de destaque em praticamente 2/3 dos casos chama atenção. Se a Resolução permite que se requeira a retirada do PV, certamente não é previsão pro forma e nem supérflua. Assim como o pedido deve ser justificado e fundamentado pela parte/proponente, também é de se exigir uma resposta do julgador para o não atendimento do pedido feito.
Ressalta-se que apenas um processo foi destacado pelo ministro Luiz Fux do PV para o Plenário físico após o começo do julgamento (a ADI 5.441).
Poder de agenda mitigado (mas ainda personalista)
O segundo aspecto é o de que a inclusão imediata no PV de processos que o Supremo decidira apreciar no Plenário físico não ocorreu em casos isolados, mas sim em larga escala, confirmando assim o que já havia sido apontado quando analisada a emenda n. 53. Dos 80 processos incluídos no PV em abril, 63 já haviam sido incluídos anteriormente em pauta do Plenário físico.
Desses 63, 04 processos começaram a ser julgados no Plenário físico antes da mudança regimental, mas foram suspensos por pedido de vista. Para a apresentação do voto vista e a retomada do julgamento, estes processos já foram incluídos e acabaram sendo julgados no Plenário virtual (ADI 2.914, ADPF 369, ADI 3.961 e ADC 48).
A inclusão dos processos no PV é decisão que cabe ao ministro relator, iniciando o julgamento, ou ao Ministro vistor, retomando o julgamento após pedido de vista. Assim, há a atenuação do, há muito questionado, poder de agenda da Presidência do STF, mas não a construção da, há muito necessária, agenda do Tribunal. Assim, o PV mitiga o poder de agenda do Presidente, mas ainda evidencia o problema da pauta continuar sendo uma decisão personalista.
Predominância do voto do ministro relator
O terceiro aspecto que merece destaque é a prevalência do voto do ministro relator. Como dito, foram incluídos no PV 80 processos, com 57 julgados. Em praticamente todos, prevaleceu o voto do ministro relator, fosse para julgar procedente (33 processos), improcedente (21 processos), prejudicada (01 processo) ou inadmissível (01 processo). A relatoria foi vencida em apenas 01 processo, na ADI 5.179, em que a Ministra Carmén Lúcia restou vencida ao lado de outros 04 Ministros, prevalecendo o voto do ministro Luiz Fux pela parcial procedência da referida ADI.
Julgamentos por maioria
O quarto e último aspecto diz respeito ao binômio maioria e minoria. Dos 57 processos julgados, 26 foram por unanimidade e 31 por maioria. Dos 31 processos decididos com divergência, em 13 houve apenas um único ministro vencido e, em 10, apenas 02 ministros vencidos. São muito poucos os casos de minorias robustas. Placares de 6×5 ou de 7×4 ocorreram apenas 04 vezes (ADI’s 3.961, 5.179, 4.553 e 6.066). No mais das vezes, as decisões são tomadas por ampla maioria.
3 – Rota de saída: maio e um novo horizonte?
Esses quatro aspectos dos dados levantados sobre os julgamentos realizados no PV no mês de abril, que dizem respeito às 05 primeiras sessões sob a vigência da nova redação do art. 21-B do regimento interno, apontam que, como esperado, o PV parece vir a reforçar a tendência de um tribunal de solistas (e com um uso opaco): processos incluídos em pauta por decisão de um só ministro, decididos pelo voto do relator por ampla maioria.
A mudança regimental e o uso do PV está sob escrutínio. Algumas adaptações, muito bem-vindas, já foram feitas. Desde maio, os ministros já podem disponibilizar relatórios e votos durante a sessão e os advogados podem encaminhar, também ao longo da sessão, memoriais esclarecendo eventual divergência. Cumpre, agora, verificar se tais mudanças irão mesmo impactar a dinâmica individualista do Plenário Virtual que já se apresentou ao longo destas 05 primeiras sessões sob o novo art. 21-B.
A ver.
MIGUEL GUALANO DE GODOY – Professor Adjunto de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFPR. Pós-doutor pela Faculdade de Direito da USP. Autor dos livros: Fundamentos de Direito Constitucional (Ed. Juspodivm, 2021); Devolver a Constituição ao Povo: crítica à supremacia judicial e diálogos institucionais (Ed. Fórum, 2017); Caso Marbury v. Madison: uma leitura crítica (Ed. Juruá, 2017); Constitucionalismo e Democracia: uma leitura a partir de Carlos Santiago Nino e Roberto Gargarella (Ed. Saraiva, 2012). Ex-assessor de Ministro do STF. Advogado.
EDUARDO BORGES ESPÍNOLA ARAÚJO – Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília (UnB). Ex-Assessor de Presidente Nacional da OAB. Advogado.
Originalmente publicado em: https://www.jota.info/stf/supra/plenario-virtual-ampliado-o-que-temos-e-vemos-ate-agora-22052020